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SEÇÃO
Crônicas
14/11/2019 - 06h47
Meninas amadurecem
Henrique Fendrich
 

A minha prima não gosta mais de mim. É a única conclusão a que consigo chegar. Por que motivo ela não quer mais brincar comigo? Por acaso eu fiz alguma coisa contra ela? Eu não me lembro de ter feito nada. Estava tudo bem entre a gente, mas um dia a gente se encontrou na casa da vó e ela não quis ir brincar comigo, como fazia desde que nasceu. É desde que nasceu mesmo, porque a gente nasceu com poucos dias de diferença um do outro. Fomos bebês ao mesmo tempo, a família toda gostava de ver a gente brincando junto, tão engraçadinhos éramos. Existe até uma foto bonitinha que tiraram de nós dois, dois tocos de gente, sentados juntos em um balanço.

Ora, desde então, nada mais natural que a gente estivesse sempre junto em todos os encontros familiares, aniversários, festas de final de ano... A casa da vó era grande e havia muita coisa para se fazer por lá, muito lugar para se explorar, sem falar em todos os brinquedos antigos dos nossos pais que ainda estavam por lá. Agora a gente já é maiorzinho, quase adolescente, e por isso já passamos para os jogos de tabuleiro. Jogamos xadrez, se bem que um xadrez com algumas modificações, porque a gente também não é tão grande para jogar como adulto.

Isso não significa que a gente não tenha ainda os momentos de criancice, as nossas guerras de almofada. A gente usa as almofadas para brincar de torta na cara. Um de nós faz uma pergunta qualquer, o outro responde, e se errar leva uma almofadada na cara - a gente ri bastante. Mas isso acabou, eu não devia estar falando no presente, porque aparentemente não vai voltar a acontecer, pois a minha prima - não sei por que - não gosta mais de mim.

Isso ficou bem claro quando a gente se encontrou no aniversário da minha tia. Porque eu fui falar com ela, como de hábito, para a gente brincar, fazer alguma coisa, subir no parquinho que tem atrás da casa dela, só que ela não demonstrou o menor interesse. Ela apenas disse que não, não queria, sem me dar alguma outra explicação. E ela havia falado de uma forma tão fria e indiferente que eu senti como se ela não quisesse estar comigo ali, e por isso eu saí de perto, entre surpreso e ofendido. Naquele dia, a gente não brincou. Ela ficou no quarto, ou vendo TV, ou então perto das mulheres - as que eram crescidas. E eu fiquei andando à toa pela casa, brinquei um pouco com as crianças menores, mas não era a mesma coisa de se brincar com alguém que tem exatamente a sua idade.

Depois disso, a gente se encontrou outras vezes e eu decidi que não iria mais atrás dela. Ela que viesse falar comigo! Mas ela não veio, mal falava comigo, parece que preferia ficar sozinha, ficava dando volta ao redor da casa sem nenhum motivo aparente. Eu não entendia aquela garota, como ainda não entendo. Já disse, não me lembro de ter feito nada contra ela. Eu ainda gostaria de brincar com ela, mas ela parece se importar tão pouco comigo que eu já estou com mágoa. Hoje é Natal, dei o “Feliz Natal” para ela como daria para um estranho qualquer.

Às vezes tenho a impressão de que ela quer parecer adulta antes do tempo. Ela tem a minha idade! Outro dia eu ouvi a minha mãe falar que as meninas amadurecem antes dos meninos. Será que isso é amadurecer? Esquecer dos primos? Ui, já é uma mocinha, ui. Ora, não me sinto menos maduro do que ela. O que foi que aconteceu tão de repente assim que a fez se tornar mais madura do que eu, a ponto de não querer mais perder tempo brincando comigo? Será que é porque eu sou menino? Os meninos e as meninas precisam se afastar quando estão crescendo? Que história é essa? Ah, é ela que não gosta mais de mim.

Estou entediado, em pleno dia 25 de dezembro, não vejo graça nenhuma em ficar sentado conversando, do jeito que os adultos gostam de fazer. Vou para fora de casa, começo a andar pelo terreno, bem devagar. Eis que ela estava contornando a casa pelo outro lado e a gente se vê, ainda longe um do outro. Paramos, nos olhamos por alguns segundos, embaraçados. Ela sabe que isso não é justo comigo, não é possível que não saiba. Quero dizer para ela que ela poderia ser a minha irmã, porque eu não tenho irmã nenhuma, e seria legal se minha irmã fosse ela. Mas ela tem os seus próprios irmãos, talvez nem ache que ser irmão seja uma coisa tão especial assim. Não falo nada, eu desvio o olhar, ela desvia o olhar, e a gente volta por onde a gente veio. Que nos resta agora senão crescer?

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