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SEÇÃO
Crônicas
05/11/2019 - 06h26
Dorme a amante
Henrique Fendrich
 

Dorme a amante, amante mesmo, aquela a quem se ama, não aquela com quem se trai. Dorme, não aguentou esperar até que eu tomasse banho. O dia foi bastante cansativo, andamos para lá e para cá, atravessamos a cidade, estivemos em um centro de eventos, em um shopping, em um parque, em um barzinho. E em todos os lugares a expectativa dessa noite nos acompanhava, a noite em que poderíamos repetir tudo o que havíamos feito pela primeira vez na noite anterior, quem sabe ir ainda além, mas de toda forma sentir aquelas sensações que sentem os que se amam e se entregam, uma novidade para nós, ainda dois inocentes a se descobrir e a se completar. Saímos cedo do barzinho, em parte porque a viagem de volta seria longa, e em parte porque a gente não conseguia se conter de ansiedade por aquela noite.

Era preciso que nos livrássemos de todos os empecilhos, que nos dedicássemos exclusivamente a isso. Que tomássemos banho antes, que tivéssemos a noite, a madrugada inteira pela frente. A amante foi primeiro, foi e voltou, limpa e cheirosa, e a gente já poderia ter começado tudo ali, e até ensaiamos algo nesse sentido, mas, que diabo, se eu não fosse tomar banho ali, não teria tempo na manhã seguinte. Lá fui eu para o banheiro, tomar um banho rápido, há interesses mais urgentes que não nos deixam pensar na higiene com a consideração que seria devida. Só que mesmo assim levei tempo demais, pois quando cheguei de volta ao quarto já dormia a amante.

Ela fica bonita quando dorme. Olho para ela, pensando que aquela amante é a minha, que ela está plenamente de acordo sobre o que a gente deve fazer um em relação ao outro, e tudo isso é admirável, é absolutamente incrível que isso esteja acontecendo em circunstâncias como essa, nós dois que vivíamos tão longe um do outro, que tínhamos tudo para que nunca nos conhecêssemos, nunca nos víssemos, mas de repente estamos ali juntos no mesmo quarto, e já pela segunda vez, vivendo experiências únicas, o que apenas sabíamos por ouvir dizer, descobrindo como é que se faz as coisas que todo mundo faz, as mãos a percorrer um corpo alheio, a visualizá-lo, ainda que na escuridão, já sem nenhuma roupa, e parando um tempo só para visualizá-lo assim, sem fazer nada, só contemplando, porque a ventura nos alcançou e já integramos o grupo de pessoas a quem esse tipo de coisa é comum e natural. Agora, dorme a amante.

É natural que eu a acorde, que eu a desperte, em todos os sentidos, que eu a atente para o que a gente já cogitava durante o dia, e então façamos uma vez mais o que não havíamos tido chance até então. Mas por algum motivo eu hesito, acho que ela está tão bem assim, dormindo, acho que está tão cansada e que merece o sono que está tendo, amanhã vai ser um dia que também vai exigir muito de nós, seria bom que estivesse bem descansada para aproveitá-lo mais. Não se trata de ter todo o tempo do mundo ainda pela frente, nós não temos essa sorte, nós não vivemos na mesma cidade, daqui a alguns dias ela volta e talvez chances como essa não se repitam, a gente nunca sabe o que acontece, os amantes, por vezes, deixam de ser amantes, e depois pode ser que eu fique me remoendo por não ter feito nessa noite tudo que a gente havia tido a chance de fazer. Mas é verdade que ainda temos amanhã, temos depois de amanhã, e, que diabo, também não somos nenhum bicho que não consegue dominar os seus instintos.

O amor não pode ser só pele, o amor deve ser mais, deve ser também eu olhando ela dormir, deve ser eu abrindo mão de fazer o que dizem que cabe aos machos fazer e não recusar, deve ser pensar que aquilo que nos une não pode ser o que gente faz à noite, mas durante o dia inteiro. Então eu olho mais uma vez para ela, que está bem longe de despertar, e então eu a admiro mais uma vez, e então eu durmo.

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