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Crônicas
12/09/2019 - 07h24
Uma casa para recordar
Rangel Alves da Costa
 

Eis, como fotografia perante o meu olhar, a moradia mais importante que já existiu no solo sagrado de Poço Redondo. Daquelas criações arquitetônicas marcadas pelo esmero e pela beleza em cada curva.

E talvez também a mais bela, imponente, um marco histórico ainda recordado por muitos. A casa já não existe, pois um dia foi abaixo para dar lugar a uma nova construção, e esta tão feia e tão fria como a insensatez humana.

Falo de uma casa familiar, de meus avôs maternos, em cujas dependências passei grande parte de minha infância. A casa de Teotônio Alves China, o China do Poço, e de Marieta Alves de Sá (ou simplesmente Mãeta).

Moradia sertaneja que um dia acolheu o Padre Artur Passos e Lampião, que era parada obrigatória para os ricos senhores das terras adiante, passagem obrigatória para comboeiros e outros desbravadores dos grandes sertões.

Sinhôzinho Britto chegava aí, proseava aí, descansava aí. Uma rede armada na varanda, o chapéu em riba de tamborete, e o repouso do latifúndio, da riqueza, dos senhorios daqueles sertões antigos.

A fortuna de meu avô China eram as amizades muitas. Ele mesmo, depois que se desfez das fazendas, passou a se contentar em ser vendeirim no pequeno salão ao lado da moradia.

Mantinha a vendinha não porque necessitasse da venda de um quilo disso ou daquilo pra sobreviver, mas principalmente para manter um balcão onde amigos chegavam para falar sobre a vida e o viver sertanejo.

Minha avó Marieta, a querida Mãeta, vivia comungando mais com os céus do que com as coisas mundanas. Extremada devota, beata de xale e promessa, mulher de rosário de conta e de fé de vela e oratório. Não tinha salvação quem não fosse abençoado por ela.

Depois que o seu China partiu em adeus, o entardecer de Mãeta era para sua calçada e para dar a benção a quem passasse. “Bença, Mâeta!”. “Deus abençoe, meu filho. Deus abençoe!...”.

E ainda recordo em vivez
aquelas portas e janelas
as salas e os corredores
entre paredes largas e fortes
entre passos que percorriam
aquele mundo entre histórias
entre as lutas e as devoções
entre rosários de esperanças
e as lágrimas inevitáveis da vida
e eu um meninote de pés no chão
lanhado pelas correrias no mato
adentrava aquele mundo meu
sem imaginar que aquele meu
já era do tempo e da história
já era um marco para um amanhã
a tudo entristecido recordar
pela certeza de tudo um dia acabar.

Hoje a casa não existe mais. Sua feição apenas nos velhos retratos, nas velhas fotografias. Mas eu ainda não fechei suas portas nem suas janelas. Eu ainda sou aquele menino que ia tomar água no pote e depois deitar no colo de minha avó para receber cafuné.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).

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