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Crônicas
22/05/2019 - 06h53
Todo mundo pode enlouquecer
Maria Cândida Vieira
 

Ninguém está no seu lado. E só você contra o mundo e ele não vai esperar você se recuperar.” - Anônimo

As pessoas adoram falar mal de quem demonstra possuir um desequilíbrio emocional ou transtorno mental. Entretanto, seria bom que as pessoas considerassem que ninguém está livre de desenvolver problemas mentais. A mente humana é extremamente vulnerável e a sanidade mental é bastante frágil. Aliás, um dos problemas mentais mais comuns na atualidade é a depressão, a qual ainda é alvo de tabus e preconceitos. A pessoa deprimida é vista como alguém fraco, cheio de frescuras e costuma ouvir que tem que "se animar" ou "dar a volta por cima", como se a gente pudesse se livrar da constante sensação de desânimo que nos oprime simplesmente repetindo como um mantra essas frases de livros de autoajuda os quais, se analisarmos bem, só dizem aquilo que queremos ler e ajudam apenas seus autores a enriquecer.

Falou-se da depressão para mostrar que ainda somos muito ignorantes e insensíveis em relação às doenças mentais. Quem é esquizofrênico, borderline, sofre de pânico, é paranoico, tem bipolaridade, transtornos como estresse pós-traumático e tantos outros enfrenta incompreensão e ouve as mais variadas frases que demonstram desde ignorância até preconceito. A verdade é que a doença mental sempre foi estigmatizada e quem sofre de um transtorno, qualquer que seja, está frequentemente sozinho. Um bom exemplo de como a solidão é a companhia constante de quem tem doenças de ordem mental é o livro The Bell Jar, de Sylvia Plath, poetisa americana que cometeu suicídio. Neste romance, Esther, alter ego de Sylvia, sente-se presa numa redoma. E a verdade é esta: quem tem problemas mentais sente-se numa jaula invisível, num labirinto, enxerga apenas nuvens negras. Mostre a elas que o mundo é colorido e elas enxergarão tudo cinza, preto e sem graça. Dizer a elas que a vida é bonita e elas têm todos os motivos para ser felizes é tão eficiente quanto dizer a uma anoréxica que ela está um esqueleto vivo. Quem tem anorexia sempre se enxergará obesa e enorme. Da mesma forma, mandar alguém com doenças como depressão se animar equivale a mandar uma pessoa bulímica parar de vomitar. Não tem eficiência.

Certo dia, li o depoimento de um rapaz que fora abusado pelo padrasto aos doze anos, por cerca de um ano. Após descobrirem, ele ficou ouvindo apenas que tinha que superar e ser mais forte que tudo aquilo. Por anos, ele manteve a máscara de pessoa alegre e extrovertida, mas tinha pesadelos e vomitava vendo cenas de sexo. Como se vê, combater doenças mentais ou distúrbios provenientes de abusos como os sofridos por esse rapaz não depende apenas de "força de vontade".

Mesmo quando as pessoas que nos cercam têm as melhores intenções, elas podem nos dizer coisas inadequadas, que talvez façam com que nos sintamos piores. Pior é que podem ver a pessoa doente como alguém inconveniente, um peso, uma pessoa que dá trabalho.

E talvez soe surpreendente mas é verdadeiro: muitas vezes as pessoas enlouquecem por causa da pressão psicológica exercida pelos que convivem com elas. E essas pessoas que nos enlouquecem são as que mais reclamam quando veem o resultado de seus atos insensíveis. Quantas esposas não se tornam desequilibradas por causa dos maridos ou filhos maltratados e abusados (física e psicologicamente, não entraremos na questão do abuso sexual) não se tornam depressivos e desenvolvem problemas como automutilação, neuroses e psicoses? Ninguém enlouquece sozinho. A piração é resultado da conjunção de fatores externos e internos. Mas todo mundo fala do doente mental como se ele fosse o culpado por seus problemas. Sejamos sinceros. A gente pode dizer que quem tem câncer de pulmão adoeceu por causa do fumo, mas não pode falar de quem tem problemas de ordem mental como se a pessoa tivesse desenvolvido o distúrbio porque quis. E ninguém, mesmo as pessoas que se dizem "fortes", estão imunes a isso. Aliás, consideremos um problema muito sério dos nossos tempos: o aumento do suicídio no mundo, especialmente entre os jovens. Isso é fraqueza, frescura? Não, a pessoa com problemas tem que ser ajudada. Infelizmente, quem convive com ela nem sempre tem sensibilidade ou solidariedade para lidar com ela, que pode se enxergar como um peso inútil na vida dos outros. Suicídio não é sinal de fraqueza. A pessoa se matou porque não aguentava mais. O doente muitas vezes vê-se mergulhado num lago negro, do qual tenta sair mas não consegue, porque mãos invisíveis o puxam para baixo. Ele não respira, não vê nada além do seu sofrimento.

Por que continuar estigmatizando os que têm problemas mentais, da depressão à bipolaridade? Ninguém estigmatiza quem tem diabetes ou pressão alta. A nossa sociedade não pode mais ignorar quem precisa de ajuda. Quem tem problemas dá gritos silenciosos que precisamos ouvir antes que a pessoa se veja presa num labirinto criado por seu desespero.

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