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SEÇÃO
Crônicas
19/07/2018 - 05h30
A velhinha e o celular
Henrique Fendrich
 

Era noite e eu costumava dormir cedo naquela época. Já estava nos primeiros preparativos para isso quando escutei que batiam à porta. Eu não conhecia muita gente por ali e imaginei que só podia ser a velhinha. De vez em quando ela vinha pedir a minha ajuda em alguma coisa. Por alguma razão, ela havia simpatizado comigo. Talvez eu tenha mesmo a aparência de bom moço. Costumo ser paciente com os outros, provavelmente por saber que é assim que eu preciso que os outros sejam comigo. Só que não é sempre que estou de boa vontade. Essa velhinha já havia batido à minha porta em horas inoportunas. Nunca deixei de atender, mas foi ao custo de muito domínio próprio que escondi o meu incômodo.

Ela bateu outra vez, mas agora chamando meu nome, achando que talvez eu não tivesse escutado. Se demorei um pouco, foi apenas porque procurava vestir alguma coisa minimamente apresentável, além de dar um jeito no meu cabelo. “Já vai!”, respondi. Levei ainda um tempo me batendo com a chave, eu sempre me bato quando estou com pressa para abrir a porta. Finalmente abri e apareci, pronto a realizar o que fosse possível para socorrer a pobre velhinha.

Mas eu já imaginava que não seria uma grande missão. Como em noites anteriores, ela me estendeu o seu celular. Um modelo antiquíssimo, desses que só servem para telefonar e mandar mensagem. Para a velhinha, eu representava a geração Z, aquela gente que já nasceu conectada e que entende tudo sobre tecnologia. Os óculos, de certo, completavam essa impressão. Mas a verdade é que eu pouco entendo desse mundo, mal consigo lidar com o meu próprio celular. Muitas vezes já aconteceu de me passarem o celular para ver se eu resolvia algum problema e eu devolver sem ter conseguido absolutamente nada. A sorte é que o problema da velhinha era mais fácil.

Ora, ela apenas não estava conseguindo ligar o dito cujo. Não era a primeira vez que isso acontecia, ela imaginava que fosse algum problema do celular, que tivesse estragado ou algo do tipo. Mas eu peguei o celular e, como das outras vezes, segurei o botão de ligar por alguns segundos, até que ele desse algum sinal de vida. Não demorou e uma imagem apareceu na tela, comprovando o sucesso do meu método. Eu era jovem e não podia entender como é que alguém não conseguia ligar o celular. Uma vez, vá lá. Mas eu já havia explicado para a velhinha várias vezes como é que se faz para ligar um celular, e ela sempre voltava, e sempre achava que o problema era o celular.

Pacientemente, expliquei novamente. Ela me olhava encantada, era maravilhoso ter como vizinho um jovem que podia resolver os mais complicados problemas que a tecnologia apresentasse. E foi com base nessa confiança que ela me pediu mais, queria saber se por acaso não tinha chegado mensagem da filha, ela estava querendo falar com a filha, e talvez a filha tivesse mandado uma mensagem, depois de ter tentado telefonar e não conseguir porque o celular estava desligado. Lá fui eu ver as mensagens, atrás de uma que fosse da filha que mora em outra cidade.

Havia várias mensagens não lidas e nenhuma era da filha. Era tudo propaganda da operadora, que tentava por todos os meios possíveis arrancar um pouco mais do dinheiro daquela velhinha. Mesmo assim eu li para ela tudo o que mandaram, para que ela tivesse conhecimento. Se ela resolvesse aceitar a proposta de alguma propaganda, eu interveria, não iria permitir que caísse em um golpe da operadora. Mas ela não queria saber de nada, queria apenas ver se tinha mensagem da filha, e não tinha. Pediu que eu apagasse as mensagens todas, o que fiz com muito prazer. Devolvido o celular, ela me agradeceu, com exagero, deu boa noite e voltou para casa. Talvez nós nos víssemos novamente na noite seguinte.

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