Há tempos atrás, se dizia que o cinema perderia seu lugar de importância para a recém-chegada televisão. Embora isto não tenha acontecido, as grandes produções das telonas mudaram para poder competir com o novo meio de comunicação. Assim, suas telas expandiram e seus filmes aumentaram o grau de imersão (aquilo que faz com que a plateia se “perca” no universo do filme). O intuito era claro: gerar escapismo, ou fazer com que o público, por cerca de duas horas, esqueça de seus problemas pessoais e embarquem em uma aventura. Este tipo de gênero culminou em excelentes produções que vão desde Star Wars até De Volta para o Futuro. Porém, a inovação nos meios de comunicação não terminou com a televisão. Muito pelo contrário, a era digital trouxe o videogame e a internet, novas mídias que dão muito mais trabalho para o cinema. É neste quadro que Solo: uma História Star Wars aparece. Embora o filme seja extremamente divertido, ele perde por não reformular o cenário, onde a inovação é a maior estratégia de sobrevivência em relação à concorrência da internet. Isto se torna importante porque as expectativas do público, mesmo que inconscientemente, mudaram. No videogame e na internet, especialmente nas mídias sociais, temos o poder de mudar nossa personalidade quando queremos. Podemos nos desligar das opiniões de outros. Podemos acessar qualquer grupo que queremos. E, mais importante, podemos fazer isto a qualquer hora. A gratificação imediata se torna possível e, por isso, desejada. Em resumo, temos a impressão de que podemos escolher quem somos, quem seguimos e quem são nossos seguidores. A influência no cinema é clara e, embora filmes que mostrem este tipo de realidade existam faz tempo, é agora que eles se tornam comuns. Para citar algum deles, Avatar, de James Cameron, mostra um personagem principal que pode, por meio de seu avatar, viver uma vida diferente onde o protagonista paraplégico pode andar. Ou ainda Jumanji: Bem-Vindo à Selva, dirigido por Jake Kasdan, um grupo de adolescentes entram em um videogame e tem seus corpos trocados por personagens que nada parecem com o que desejam. O maior pesadelo destes personagens? A falta de poder de escolha de seus próprios corpos, algo contrário à promessa da vida digital e o que leva à comédia. Mais recentemente, o lançamento Todo Dia, dirigido por Michael Sucsy, conta a história de “A”, um espirito misterioso que habita um corpo diferente a cada dia. “A” vive sua vida sem maiores conflitos, até que se apaixona por Rhiannon, interpretada por Augourie Rice. Como um ente que muda de forma conseguirá conquistar a garota? É exatamente este o ponto da história. Esta flexibilidade corporal, que antes aparecia esporadicamente, agora tem sido usada em uma incrível quantidade de produções cinematográficas (e também na televisão, como em Westworld, por exemplo). Porém, recentemente, não somente esta flexibilidade tem afetado o cinema, mas também a gratificação imediata das mídias sociais. Basta ver a existência de vídeos no Youtube em que fãs de certos filmes, como Transformers, editam estes para que apenas tenham as cenas de ação, sem o enredo. O fato destes vídeos terem dezenas de milhões de espectadores mostra a busca por uma diversão rápida. A identificação com personagens, que era o principal ponto do cinema, começa a se fazer menos presente. Por exemplo, no caso de Todo Dia, o público presta mais atenção em qual corpo o espírito “A” irá habitar do que em como os personagens crescerão e lidarão com isto. A segunda temporada de Westworld também foca mais na pura ação do que na identificação com os personagens. E então Solo aparece, uma boa história tradicional e linear e que tanto não segue as novas tendências, como não inova. O resultado é que a atenção do público é mais voltada para a comparação do novo Han Solo (Alden Ehrenreich) com o antigo (Harrison Ford) do que para o enredo propriamente dito, um enredo que também é menos complexo do que os títulos originais em que se baseia. Não é à toa que o filme não fez o sucesso esperado em uma realidade que a identificação com os personagens vem perdendo a importância. Nota do Editor: Daniel Bydlowski é cineasta brasileiro e artista de realidade virtual com Masters of Fine Arts pela University of Southern California e doutorando na University of California, em Santa Barbara, nos Estados Unidos. É membro do Directors Guild of America. Trabalhou ao lado de grandes nomes da indústria cinematográfica como Mark Jonathan Harris e Marsha Kinder em projetos com temas sociais importantes. Seu filme NanoEden, primeiro longa em realidade virtual em 3D, estreia em breve.
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