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Crônicas
23/04/2018 - 05h18
Casa da Oma
Henrique Fendrich
 

Ia-se muito à casa da Oma. Uma oma é uma avó alemã, uma nonna alemã. Uma oma se casa com um opa. Engraçado que nunca falávamos que íamos à casa do Opa, embora também fosse: era sempre a casa da Oma. Lá estávamos a cada reunião familiar, a cada aniversário, em todos os Natais. O pinheiro do Natal era um pinheiro de verdade, tirado que foi do próprio quintal de casa. Montava-se um presépio, com direito a quatro reis magos, vacas e camelos, um lago de papel alumínio com cisnes de brinquedo. À casa da Oma nós íamos na noite do dia 24, levando nossos presentes, vendo o que foi que nossos primos ganharam. O Natal ajudava, mas a casa já era mágica sem ele, como convém a uma honesta casa de avós.

Bastaria dizer que era uma casa com sótão, por nós chamado de “sote”. Um sote é como um portal para dimensões paralelas. Lá ficam guardadas todas as quinquilharias que uma família acumula durante três, quatro gerações. Olhamos com curiosidade os brinquedos ali deixados por nossos tios, ainda sem nos convencermos de que, um dia, eles tenham sido realmente crianças como nós. Também custamos a acreditar que aqueles cômodos ali já tenham servido como quarto, no tempo que eram solteiros, pois isso é alegria demais para uma pessoa: morar no sote!

A escada para lá rangia muito. Era de madeira, como também a maioria dos móveis, coisas antigas e que não se veem mais por aí. Todos os armários e todas as gavetas abriam para pequenos mundos e estavam envoltos nessa mesma aura de mistério e de encantamento que dominava a casa. Sentávamos em cadeiras imperiais, uma delas, a nossa preferida, de balanço. Na casa da Oma tinha cadeira de balanço e esse simples fato já nos garantia diversão. Na parede quadros, às vezes nem pintados e nem fotografados: bordados. Também bordadas eram as almofadas. Na grande sala nós tomávamos café, que era um outro nome para nos empanturrarmos de doces e salgados. Convém dizer ainda que na cozinha havia um fogão a lenha, e um depósito para lenha servia de banco.

O lado de fora não era menos extraordinário. Havia um viveiro, uma grande casa de passarinhos. A caixa de correio, a mais criativa de toda a cidade, simulava uma casa de verdade. Era obra de arte do Opa, marceneiro, que também tinha uma oficina e um depósito de madeiras no fundo da casa. Havia uma bomba para tirar água do poço. E um balanço para duas pessoas, com cobertura contra o sol. Nesse balanço eu me se sentei ao lado da minha prima, os dois ainda bebês, como bem prova uma fotografia. O balanço continuou lá mesmo quando já não havia mais crianças para se sentarem e serem fotografadas.

Os avós viviam em um ritmo mais devagar que o nosso e a própria casa respirava um silêncio a que não estávamos acostumados. Apenas um relógio, um relógio-cuco, quebrava de vez em quando aquela paz. Conversava-se sobre coisas cotidianas, passava-se a limpo as novidades da cidade. De vez em quando o Opa tirava do bolso uma história dos anos 50. Mas também se falava em remédios e consultas médicas, o que nos parecia muito distante, não acreditávamos na velhice. A Oma servia o café, mesa farta, insistia para que a gente comesse mais. Comíamos suspiros, tomávamos capilé. Éramos felizes e sabíamos disso.

Reparei agora que estou escrevendo tudo no passado, mas a Oma ainda vive e mora lá, nós ainda vamos até lá de vez em quando, embora bem menos do que em outros tempos. O que passou e não pode mais voltar é apenas a criança que emprestava novos significados àquela casa. Ia-se muito à casa da Oma.

Éramos felizes e sabíamos disso.

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