Desde que as condições de vida se deterioraram na Venezuela, muitos venezuelanos começaram a deixar o país. Pela proximidade geográfica e cultural, o Brasil tem sido o segundo maior destino de fuga dos venezuelanos, atrás apenas dos EUA. O governo federal tardou a responder a esse súbito aumento da demanda, considerando que a competência sobre o controle das fronteiras e gestão da política migratória é de âmbito federal. Ocorre que o Brasil ainda não possui política migratória. O que há é uma nova Lei de Migração (Lei 13.445/2017) que, após longa tramitação, criou um marco legal mais atual, baseado na proteção dos direitos humanos dos migrantes e, finalmente, livre do autoritarismo e burocracia da legislação anterior. A Lei foi regulamentada, no entanto, por um decreto repleto de falhas, que possui dispositivos, inclusive contrários à própria lei que visa regulamentar - como é o caso da prisão por razões migratórias, vedada expressamente pela Lei. A questão é que a maioria dos venezuelanos que entram no Brasil por Roraima buscam trabalho imediato, justamente para encontrar uma forma de sustento. Mas como não podem trabalhar com visto de turista, a saída encontrada foi solicitar refúgio, como os haitianos, anos atrás. Assim, essas pessoas obtém um protocolo provisório, podendo expedir documentos e trabalhar legalmente no país, enquanto aguardam a decisão sobre o refúgio. Ocorre que dificilmente o CONARE – Comitê Nacional para Refugiados concederá refúgio para aqueles que saíram da Venezuela, sem serem perseguidos por algum dos motivos previstos em lei, mesmo o Brasil tendo adotado a definição ampliada que permite a concessão de refúgio devido a grave e generalizada violação dos direitos humanos. A solução encontrada pelo governo foi conceder residência temporária de até dois anos para esses migrantes, via resolução. Para ter direito à residência, os venezuelanos devem apresentar pedido de desistência da solicitação de refúgio. Porém, a solução mais adequada, hoje, seria o visto ou residência para fins de acolhida humanitária, previstos na nova Lei Migratória. No entanto, o decreto que regulamenta a Lei é lacônico quanto a esta modalidade, dependendo de ato conjunto dos Ministério da Justiça, Relações Exteriores e Trabalho. Por fim, observa-se que o governo federal adotou algumas medidas para enfrentar a questão em Roraima, como apoio para assistência humanitária, aumento do patrulhamento nas fronteiras, e um projeto de “interiorização”, pelo qual os venezuelanos seriam encaminhados para outros Estados. Se a ideia for “despachar” as pessoas para outros lugares, sem infraestrutura adequada para recebê-los, e apoio para integração ao mercado de trabalho, a medida tem tudo para repetir o fiasco do caso dos haitianos enviados do Acre de ônibus para o centro de São Paulo. Além do visto de acolhida humanitária, a solução passa por uma vigorosa coordenação política entre autoridades municipais, estaduais e federais, com participação da sociedade civil e do setor privado, de modo a criar condições para a recepção digna dessas pessoas, honrando a trajetória que foi se construindo juridicamente nos últimos anos, de hospitalidade para com migrantes vítimas de conflitos armados, desastres naturais e outras calamidades. Nota do Editor: Thiago Assunção é Mestre em Educação para a Paz pela Universidade de Roma, doutorando em Direito Internacional pela USP, e professor dos cursos de Direito e Relações Internacionais do Unicuritiba e da Universidade Positivo (UP).
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