– Verinha, a vó morreu. Tinha tido uma melhora ontem de madrugada, mas umas horas depois deu outra falência renal e dessa vez não resistiu. – O que é isso, trote? Com identificador de chamada, precisa muita coragem pra fazer isso, ainda mais num horário desse. Vou te pegar, deixa ver aqui no visor... – Alô, tá me ouvindo? – Caramba, o pior é que não aparece número nenhum na tela do celular! Mas a voz é igualzinha à do Camilo... Teve infância não, maninho? – Verinha, é sério. Vai cair a última ficha, e já tem gente bufando atrás de mim, esperando na fila pra usar o orelhão. – Camilo, para de brincadeira mórbida, a vó morreu em 85 mas pode muito bem voltar pra te puxar a perna! Ou no caso a orelha, porque isso é coisa de moleque, né? – Então, sua débil mental, a gente por acaso tá em que ano? Parece até que viajou pra 2020, sei lá. Bebeu, fumou maconha mofada, o que acontece??? Meu Deus, eu saio da aula do cursinho pra te avisar e você fica que nem uma retardada aí do outro lado! – Ah, beleza. O doutor desembargador voltou pro cursinho pra prestar Direito. Agora chega vai, eu tenho serviço, não tô com a vida ganha que nem você. O funcionalismo em Brasília deve estar em greve, não é possível. Ou então você tirou licença-prêmio de novo e não tem o que fazer em casa. – A enfermeira da UTI disse que vão liberar o corpo às nove e quinze, e o velório... – Tá, e você vai chegar lá no velório de fusca azul, aquele com câmbio de caranguejo, acertei? – E eu tenho outro, por acaso? Olha, vai cair a última ficha, mana. Fala coisa com coisa, eu preciso desligar. Respeita a vó, por favor. – Hahahahaha, fica assim então, querido. Depois que acabar o capítulo do “Roque Santeiro” eu passo por lá. Pode me esperar. (dim-dom da campainha) – Telegrama pra senhora. – Telegrama??? Combinou a sacanagem com o meu irmão, seu carteiro? Ah, entendi, pra ver se salva a estatal falida vocês agora partiram pro segmento de pegadinhas. Tá certo... – Olha, é urgente. Melhor a senhora abrir. (abre o telegrama) Verinha (vg) nossos sentimentos falecimento Dona Matilde (pt). Lamentável perda (pt)
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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