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Crônicas
14/12/2017 - 05h49
Jogava bola e era amado
Henrique Fendrich
 

E, depois de muito tempo, houve uma partida de futebol. Andávamos destreinados e sedentários, seria até o caso de deixar um desfibrilador por perto. Com muitos ali eu nunca havia trocado um passe, e era com desconfiança que olhavam para aquele nerd que se parecia com o Harry Potter: será possível que esse aí joga alguma coisa? Eu já estava acostumado com essa descrença das minhas habilidades futebolísticas, e naquele dia, mais do que em qualquer outro, eu não dava a ela a menor importância.

Em verdade, o meu pensamento estava bem longe. Naquela manhã havia acontecido uma coisa inédita e tão incrível que toda a minha vida passou a ser vista sob uma nova perspectiva. Foi aquele surpreendente “te amo” dito ao final de uma conversa, primeiro “te amo” de um relacionamento, uma amizade, que já durava alguns meses. E eu não era muito de ouvir, como também de falar, uma coisa tão impactante como aquela. Já havia dito algumas coisas bonitas, já havia ouvido outras mais, mas nada que fosse uma declaração tão reveladora daquilo que se sente.

E, de repente, saiu um “te amo”, e foi direcionado a mim. Foi dito de forma natural, como se fosse a forma habitual com a qual nos despedíamos. E, no entanto, eu sabia que as coisas não seriam as mesmas depois dele. Era maravilhoso e era assustador, dava muito que pensar e era por isso que meu pensamento estava longe do campo.

Mas eu jogava bem, não sou nenhum craque, mas naquele dia eu jogava bem. Em parte, porque não acreditavam que eu soubesse jogar e me davam muito mole, e em parte porque eu estava como que encantado e tudo o que eu fazia dava certo. Fiz até gol de entrar com bola e tudo. A falta de treino, entretanto, me fazia cansar e ir diversas vezes para o banco de reservas. De lá eu acompanhava aquele monte de macho correndo por uma bola.

Era quando eu ainda estava recarregando minhas forças que o clima esquentou. Houve uma dividida mais forte e dois jogadores se estranharam. Trocaram palavras ríspidas e, não fosse a turma do deixa-disso, é possível até que chegassem às vias de fato. Eu assistia àquilo admirado que alguém ousasse brigar no mundo em que pessoas podiam dizer que amavam umas às outras. Talvez aqueles dois não tivessem ouvido nenhuma declaração naquele dia, talvez já tivessem banalizado o próprio amor. O fato é que eu pairava bem acima daqueles desentendimentos.

Que me importava aquela dividida, que me importava aquele jogo, a própria derrota do meu time? Eu era amado. O jogo terminaria, nós voltaríamos para as nossas casas e eu continuaria amado. Podia ser feio, desengonçado, andar meio curvado e não conseguir domar o meu cabelo, mas era amado do mesmo jeito. Sentado à sombra, esperando a minha vez de voltar a entrar em campo, eu desviei o olhar da partida, comecei a observar árvores e pássaros, a sentir a brisa que me atingia. Não, eu nunca seria um jogador de verdade, sou um lírico e desocupado.

Reclamam que a bola saiu, dizem que foi falta, e a tudo eu acedo prontamente. Harry Potter está feliz, Harry Potter ama e é amado. E, para que também não possam se queixar do meu desempenho, recebo a bola, dou um drible desconcertante e chuto com força. Na gaveta.

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