O beijo com os olhos fechados nos permite sentir, nessa fração de tempo, a diferença entre o mundo atual e o mundo ideal. Deixamos de dar importância a tudo que nos cerca, não importando qualquer outro valor ou sentimento. Está criado o caminho para se viver suspenso no tempo, voando e caminhando nas nuvens. Vou contar uma novidade: o mundo mudou. Sim, o mundo mudou e para pior. Sei que não temos idade centenária para ter a plena convicção de que no passado a vida e o mundo eram melhores. No entanto, entendo não ser difícil a percepção de que algo está errado no mundo em que vivemos; se é que há outro. As pessoas passaram a perceber somente coisas e não e os seus semelhantes. O tempo passou a ser cada vez mais curto, embora os dias continuem a ter vinte e quatro horas. O ter passou a ser o objetivo a ser alcançado, tornando o ser cada vez menos importante. As pessoas não se tocam, se agridem. O abraço passou a ser um artigo de luxo e, quando conquistado, foi por um preço muito alto. Acumular bens e tesouros tornaram-se símbolos do sucesso, enquanto pensar e ser passou a ser descartável e com pouca importância. Passado o meu desabafo, peço licença e me atrevo a fazer um pedido a quem tiver paciência para ler esse artigo: Quando for beijar, feche os olhos! Sim, feche os olhos e beije com a alma.
Tenho a impressão de que todos estão se beijando de olhos abertos. Não consigo entender a razão de beijarem, se for para não sentir. Assim está sendo o dia a dia no mundo. As pessoas passaram a ter gestos mecânicos, sem qualquer compromisso com a verdade. Beijar de olhos abertos é menos do que um aperto de mão. É algo vazio, frio e gratuito. O beijo é o toque na alma do outro e não pode ser algo sem compromisso com a verdade. O beijo é um pacto selado e mais do que a simples troca de fluídos corporais; é troca de calor que conforta e abriga. Aquele que abre os olhos quando beija, simplesmente lá não está. Observem que ao beijarmos a pessoa querida, amada ou simplesmente desejada, fechamos nossos olhos. Trata-se de um gesto espontâneo e que nos transporta de modo mágico para outra dimensão. Somos transportados para um lugar onde não há guerras, ódio, inveja, traição, falsidade, ganância e todos os demais sentimentos que nos machucam nesse doido mundo em que vivemos. Quando fechamos os olhos para beijar, deixamos de dar importância a tudo que nos cerca, não importando qualquer outro valor ou sentimento. Ou seja, está criado o caminho para se viver suspenso no tempo, voando e caminhando nas nuvens. O beijo com os olhos fechados nos permite sentir, nessa fração de tempo, a diferença entre o mundo atual e o mundo ideal. Voltar-se ao nosso interior é caminhar em direção a uma nova perspectiva de vida. É encontrar valores e referências que, nos dias de hoje, são considerados ultrapassados e fora do tempo. Quando chamo a atenção para a importância de se fechar os olhos quando beijamos o nosso semelhante, não pretendo levantar a bandeira da cegueira promovida pela ignorância. Pretendo resgatar a capacidade que todo ser humano tem de perceber e enxergar com a alma. A capacidade que todos nós temos de nos despir de todas as armaduras inventadas pelo mundo chamado moderno e que impede o ser humano de perceber o seu semelhante como um ser humano e nada mais. Não faço qualquer apologia à teoria minimalista. Não prego qualquer modo ou comportamento tido como Franciscano. Não acredito que todos com o mínimo, possa ser o único caminho. Assim como, acredito que poucos com muito, pode sim, ser uma das causas dos desequilíbrios que vivemos e presenciamos. Acredito que o ser humano não esteja condenado ao completo declínio ou que a sociedade não tenha mais como se recuperar. Creio que tudo faça parte de uma evolução constante do tempo e que muitas mudanças sejam irreversíveis. Porém, a história está recheada de exemplos onde pessoas, isoladas ou em grupos, foram responsáveis por mudanças que permitiram que a sociedade fizesse correções onde o ser humano pode continuar a sua viagem no tempo. Devemos nos libertar da ditadura da estética criada pelo homem e passar a perceber o nosso semelhante como se esse estivesse nu, sem fantasias, adereços ou quaisquer outros penduricalhos que só se prestam a esconder a essência das pessoas. Ao beijar, cerre os olhos e embarque na viagem pelo encantado mundo do ser e não o do ter. Nota do Editor: Edson Pudence é um amante da vida e da boa mesa. Sua missão é desmitificar a felicidade, os hábitos diários e encontrar o prazer nos pequenos e grandes detalhes do cotidiano, desde apreciar um por do sol até degustar uma premiada garrafa de vinho.
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