Dizem que o primeiro a avisar foi o Tibiriçá, que os jesuítas envergonhados com o real significado da palavra tupi, traduziam como o guardião das terras. João Ramalho até um certo tempo ainda insistiu que a idéia teria sido dele. Depois, quando viu que a idéia começou a fazer água, achou melhor deixar os débitos da má idéia para o Tibiriçá mesmo. João Ramalho demorava um pouco para pensar, mas prestava uma atenção danada em tudo que estava na ponta do seu nariz. Tudo começou quando o Tibiriçá comentou com Manoel da Nóbrega que José de Anchieta estava fazendo de tudo para tomar o lugar dele na fundação de São Paulo. Nóbrega mexeu seus pauzinhos e arrumou um jeito de mandar Anchieta para longe da fundação e ordenou que rumasse para Iperoig para resolver os problemas com os tamoios revoltados. - Deixa que da fundação cuido eu. Ainda insistiu Nóbrega tranqüilizando o pobre do Anchieta que jamais desconfiou das reais intenções motivadas pelas fofocas do Tibiriçá cujas atitudes faziam jus à real significado em tupi do seu nome. Afinal Tibiriçá é Tibiriçá e até abaixo assinado organizou para afastar Anchieta da fundação, pois afinal quem mandava ali era Nóbrega e ele Tibiriçá o responsável pelas terras, águas, fogos e ventos. A esperança de Nóbrega era que a distância imposta a Anchieta diminuísse o grande apreço que os nobres de Piratininga tinham por ele desde a fundação. Tibiriçá tinha outros planos. Queria, por que queria, implantar a encenação das marácas falantes, única no gênero em todo o planalto. Fofoca ou não, o fato é que Anchieta foi mandado para Iperoig e por lá ficou cuidando das suas artes. No planalto Tibiriçá aproveitou a ausência do Anchieta e começou a fazer o seu barulho, dizem que numa noite escura e chuvosa vestiu-se de Nóbrega e apareceu na janela do casarão da marquesa de Santos para afastar alguns amigos do Anchieta que estavam por ali tomando a fresca da brisa. Fofoca que também caiu nos ouvidos do Nóbrega que pediu para Bartira averiguar a verdade. Para piorar a situação, o marido da Bartira era amigo do Anchieta e ela passou a esconder tudo o que o seu pai, Tibiriçá, fazia contra Anchieta a ponto de um dia Nóbrega reclamar: - Não consigo pegar o Tibiriçá. Confidenciou para Hans Staden que lhe respondeu com aquele sotaque horrrorrroso: - Eu avisar antes de tuda acontecer, tuda que a senhorrr conseguirr o Bartira e vai atrapalharrr. O martírio do ano, Nóbrega nunca mais esqueceu. Hans Staden tinha o maior receio que estando em Iperoig, Anchieta fizesse amizade com Cunhambebe, um verdadeiro herói na região e responsável pela expulsão dos incas e os alemães que viviam na Ilha dos Porcos. O temor de Hans se concretizou. Cunhambebe e Anchieta ficaram tão amigos que até a ilha mudou de nome em homenagem à amizade dos dois. Segundo Jubarzinho, toda essa história foi registrada por Adhemar de Barros, um inventor de aviões que um dia foi governador, e em sua homenagem a cidade de Ubatuba mantém um retrato dele lá no Casarão do Porto.
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
|