“23 de junho de 2016 entra para a História como o dia da independência do Reino Unido”. Com estas palavras, Nigel Farage, líder do partido de UKIP (Partido da Independência do Reino Unido) declarava a vitória do “leave” no plebiscito que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia, cujo apoio alcançou 52% dos votos. Durante a madrugada deste 24 de junho analistas de diversos meios de comunicação ficaram boquiabertos com o resultado. A inusitada vitória dos eurocéticos foi duramente absorvida pelo mercado. No momento em que se confirmava o resultado do plebiscito, a Libra Esterlina apresentava sua pior queda desde 1985. A cotação caiu de aproximadamente US$ 1,50 por Libra, no dia anterior, para US$ 1,34 às 5 da manhã de ontem no fuso horário inglês. Na mesma hora, as bolsas asiáticas caíam e o valor do ouro subia contra a Libra. No momento em que os fatos estão se assentando, seria precipitado fazer qualquer análise sobre as repercussões ulteriores dessa decisão. No entanto, é possível fazer algumas reflexões sobre as razões que levaram os britânicos a optar pela saída da União Europeia. Em primeiro lugar, é importante mencionar um déficit democrático entre as decisões da burocracia de Bruxelas e as expectativas do cidadão comum. Os efeitos da crise iniciada em 2008 ainda se fazem presentes, seja pelo desemprego, pela diminuição do bem-estar ou pela queda dos rendimentos. As ações da União Europeia, baseadas em medidas ortodoxas, contribuíram para contrair o nível de vida da população em nome de uma estabilidade econômica geral. De fato, o voto popular não consegue influenciar efetivamente as políticas nacionais frente à rigidez dos parâmetros definidos pela Comissão Europeia. Soma-se a isso a exploração oportunista de grupos de direita que associam o mal estar sentido pelos cidadãos ao ingresso de imigrantes no país, principalmente daqueles provenientes de países do Leste europeu que recentemente ingressaram no Bloco. Segundo os grupos xenófobos, essas pessoas não só competem pelos empregos com os nativos como também tendem a pressionar o sistema de bem-estar social. Ademais, são esses os supostos responsáveis pela insegurança associada ao terrorismo que assusta o país. Assim, sair da União Europeia seria o meio de controlar as fronteiras e conter o indesejado fluxo migratório. Outra questão de fundo diz respeito à própria lógica da globalização. A flexibilização comercial, a desindustrialização e a perda de empregos a ela associados faz com que os grupos sociais mais afetados vejam a integração econômica em nível regional (ou mundial) como a origem de seus infortúnios. Daí a opção pela autonomia para supostamente tentar se defender sob bases mais soberanas. “Em tempos de Murici, cada um cuida de si”, como diz o ditado nordestino. Fenômenos similares podem ser observados em outros países da União Europeia, como França, Áustria, Holanda, Dinamarca, entre outros. Nestes países, grupos de direita e de extrema direita associam a imigração, a globalização e o burocratismo de Bruxelas com os problemas econômicos enfrentados por seus cidadãos. Mesmo do outro lado do Atlântico os discursos xenófobos e antiglobalização tem atraído o apoio de parcela significativa da população dos Estados Unidos. As semelhanças entre Boris Johnson, ex-prefeito de Londres e outro líder da campanha do “leave”, e Donald Trump vão muito além dos penteados exóticos. Fazem parte da mesma onda conservadora e populista que está varrendo o mundo. Nota do Editor: Marcos Cordeiro Pires (mcp@marilia.unesp.br) é professor do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Unesp de Marília.
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