O romance policial é um dos gêneros literários mais vendidos e mais lidos em todo o mundo e é, há bastante tempo, objeto de nossas pesquisas, realizadas sob orientação de Arnaldo Cortina na Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Araraquara. Durante a iniciação científica, estudamos os chamados “romances policiais tradicionais”, que tinham sido mais vendidos no Brasil na década de 1970. Entre as 26 obras selecionadas, apenas uma não era de autoria de Agatha Christie, cujos 40 anos de morte são lembrados em 2016: O sequestro do metrô, de John Godey. Entre as demais incluíam-se os famosíssimos livros O caso dos dez negrinhos, Assassinato no Expresso Oriente, E no final a morte etc. Esse estudo inicial possibilitou a definição da narrativa policial como uma história verossímil que vai do imaginário ao racional por meio da lógica. Caracterizado pelo suspense que se mantém ao longo da trama, o romance policial tem uma estrutura fixa, que se repete em diferentes autores e obras, e é composto por três sujeitos fundamentais: o criminoso, de identidade desconhecida, a vítima, escolhida por motivações pessoais, e o detetive, o único capaz de desvendar os mistérios em torno do crime. Os romances policiais procuram refletir a sociedade e nele seus personagens agem segundo a ética e a moral do grupo ao qual pertencem. O criminoso é sempre mal visto por ter desrespeitado as regras de convívio social, mesmo não tendo a consciência de ser um integrante do coletivo. A investigação realizada pelo detetive revela a identidade do criminoso à sociedade para que a justiça e a polícia possam julgá-lo e puni-lo. Em continuidade à nossa pesquisa sobre o romance policial tradicional, estudamos, durante o mestrado, os “romances policiais contemporâneos” mais vendidos no Brasil de 2000 a 2009. Nesse período, a variedade de autores é maior e inclui, entre outros, a britânica Phyllis Dorothy James (com as obras Morte no seminário, O farol e O enigma de Sally), seguindo uma linha mais tradicional; os brasileiros Rubem Fonseca (Mandrake, a bíblia e a bengala), Frei Betto (Hotel Brasil) e Luiz Alfredo Garcia-Roza (Perseguido e Uma janela em Copacabana), inseridos entre as narrativas que privilegiam as questões sociais em detrimento da investigação em busca do criminoso; e Jeffery Deaver (O colecionador de ossos), que pertence ao grupo dos thrillers, um tipo de romance policial que foca a performance do criminoso. Em vista dessa diversidade, estabelecemos a divisão dos romances policiais contemporâneos em três grupos, de acordo com o distanciamento que mantinham em relação ao modelo tradicional. São eles: misticismo e religiosidade, temáticas sociais e thrillers. Esse trabalho foi publicado pela Editora Unesp no livro O romance policial do século XXI: manutenção, transgressão e inovação do gênero. O download é gratuito e encontra-se disponível aqui. Finalmente, no doutorado, estudamos o primeiro grupo de romances policiais contemporâneos: misticismo e religiosidade. Ampliamos nosso corpus de pesquisa para o período de 1980 a 2009 e encontramos 7 romances policiais entre os mais vendidos no Brasil que se enquadram nesse tipo. Três dos livros estudados são de autoria de Dan Brown: O código da Vinci, Anjos e demônios e O símbolo perdido. O clássico de Umberto Eco, O nome da Rosa, também apareceu, ao lado de O último cabalista de Lisboa, de Richard Zimler, Os crimes do mosaico, de Giulio Leoni, e O último templário, de Raymond Khoury (que já haviam sido estudados no mestrado). A diferenciação desses 7 romances policiais serviu para categorizá-los como um subgênero: o romance policial místico-religioso. Há, nessas histórias, uma sociedade fechada que possui um importante segredo místico-religioso e que é atacada por outra sociedade fechada, inimiga da primeira. O objetivo dos inimigos é revelar o segredo místico-religioso para a sociedade aberta, desmantelando aquele grupo. Assim, o enredo do romance policial místico-religioso não apresenta apenas um segredo em torno da identidade do criminoso, mas também um segredo místico-religioso que foi o motivo para a ocorrência dos crimes. Ao mesmo tempo, a investigação do “detetive” (que não recebe mais esse título) em busca da identidade do criminoso servirá não só para puni-lo, mas também para proteger a sociedade fechada e impedir que o segredo místico-religioso seja revelado. Em somente um dos romances policiais místico-religiosos, a sociedade fechada que detém o segredo não é a Igreja Católica. Trata-se de O símbolo perdido, em que a sociedade maçônica precisa se proteger de um inimigo. Essa nossa pesquisa de doutorado também será publicada pela Editora Unesp, em 2016, com o título O romance policial místico-religioso: um subgênero de sucesso. Nota do Editor: Fernanda Massi é doutora em Linguística e Língua Portuguesa, na área de semiótica discursiva, pela Unesp/Araraquara.
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