Lembro com detalhes o meu primeiro dia no Caminho de Santiago. Com 25 anos recém completados, cheguei à pequena cidade de Saint Jean Pied Port, no sul da França, tarde da noite. Naquele momento, bares e restaurantes estavam fechando e minha preocupação era encontrar um albergue para passar a noite. Estava muito ansioso para iniciar o trajeto no dia seguinte. Fui à oficina de peregrinos e lá recebi todas as recomendações necessárias, incluindo um mapa topográfico de cerca de 30 etapas até Santiago de Compostela. Peguei os materiais e fui em direção ao albergue. Lembro que no quarto havia cerca de oito pessoas, todas interagindo umas com as outras. O clima era de animação. Logo percebi que era o mais jovem do grupo. Recostei na cama e passei a ver o mapa referente ao primeiro dia de caminhada. Fiquei em pânico. Como não tinha me preparado muito bem para a viagem, não sabia ao certo todos os detalhes, tanto de quilometragem quanto de altitude. Foi então que me dei conta que na manhã seguinte teria de percorrer cerca de 26 quilômetros partindo de uma altitude de 200 metros (nível do mar) para 1.400 metros (nível do mar). Minha aparência calma tinha desaparecido. Percebendo isso, um viajante alemão veio até mim e matou a charada. – Assustado com o percurso? – Assustado é pouco. Desesperado! Acho que não vou conseguir, disse. – Pois não fique. Olhe para mim (nesse momento ele apontou para seu rosto e mãos, marcados pelo tempo). Meu nome é Elker, tenho 65 anos e esta é a minha quinta vez no Caminho de Santiago. Fiquei incrédulo. Para mim, até então, esse trajeto só poderia ser feito por jovens devido à sua dificuldade. Afinal, são 800 quilômetros a serem percorridos a pé. – E por que recorre ao Caminho tantas vezes, perguntei. – Desde que me aposentei, tracei como meta de vida percorrer o Caminho de Santiago todos os anos. Até agora tenho mantido essa minha promessa, e, você não vai acreditar, mas com o passar dos anos parece que o trajeto se torna mais fácil para mim. – E os anos não pesam? – Minha primeira vez aqui foi difícil. Mas logo percebi que não é o físico que te leva a Santiago e sim o espiritual, o que você tem em mente, explicou. Conversamos por algum tempo mais e, mentalmente, fui anotando todas as dicas daquele peregrino que, em tom professoral, me ensinava como encarar o Caminho de Santiago. Na manhã seguinte, perdi a hora e fui o último a deixar o albergue. Chovia e o frio castigava. Com as dicas do simpático Elker assimiladas, tomei coragem e parti rumo ao meu caminho. E não é que ele estava certo? Veja aqui as dicas dele: 1 – Não encare o Caminho de Santiago como uma corrida. Se sentir que seu corpo não vai aguentar, pare, descanse e recomece no dia seguinte; 2 – Ser jovem pode ajudar, mas não é essencial para fazer esta viagem. Às vezes, um bom motivo para caminhar vale mais do que alguns anos a menos; 3 – Caminhe sempre com um cajado para auxiliar na subida, para dar impulso, e na descida, para proteger os joelhos; 4 – Use um chapéu para se proteger do sol; 5 – Consulte sempre os mapas das etapas, mas não se prenda a eles. Aprecie a paisagem que está a sua volta e caminhe para dentro de si; 6 – Beba bastante água, mesmo que não esteja com sede; 7 – Se puder, leve consigo sempre algo simples para comer. Nem todos os lugares do Caminho oferecem infraestrutura de bares e restaurantes; 8 – Leve fotos da família. Elas são importantes para os momentos de saudade; 9 – Não sobrecarregue as costas com uma mochila excessivamente pesada. Escolha itens essenciais para acompanhá-lo no trajeto; 10 – Quando os pés estiverem cansados, não se dê por vencido. Caminhe com o coração. Nota do Editor: Daniel Agrela é jornalista e autor do livro “O Guia do Viajante do Caminho de Santiago, uma vida em 30 dias”.
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