Dentre as capacidades mais eficientes e edificadoras do ser humano, destaca-se a de pensar. Mas não é o pensar no sentido mais simples da palavra; é o pensar que envolve estímulo, reflexão, criação de opinião e, principalmente, capacidade de expressar essa opinião e argumentar adequadamente para defendê-la. Quem não se relaciona bem com essa série de elementos que performam o fazer, estará condenado a ser eternamente o seguidor das opiniões alheias, manipulado por ideias que soam atraentes ou revolucionárias, mas que pertencem a outro. Para desempenhar bem a função de ser humano pensante, é necessário que se crie condições e possibilidades para que, desde a infância, o indivíduo receba estímulos suficientes para saber filtrar aquilo que lhe chega aos ouvidos. Os pais nem sempre saberão o que ou como falar – poderá faltar repertório. E se isso acontecer, um aliado de grande relevância deve entrar em ação: o livro. A literatura infantil está repleta de estórias que transcendem o imaginário e ao mesmo tempo o estimulam; acrescentam vocabulário sem fazer com que as crianças percam a noção de suas capacidades; trazem fatos dos quais as crianças podem concordar ou não e, assim, começar a articular suas ideias. A escritora Clarice Lispector declarou: “Nada posso fazer: há em mim um lado infantil que não cresce jamais”. O lado infantil é, certamente, aquela necessidade da criança de querer aprender sempre. Tudo ao seu redor é objeto de seu “estudo”, desde uma simples bola até as tarefas que os pais desempenham em casa. A criança vai aprender com modelos e não explicações, portanto conte uma estória a uma criança e ela vai se posicionar diante daquilo que é narrado. E estimule, apoie, questione-a. Faça-a explicar os seus próprios porquês, e não simplesmente acreditar nos porquês convencionais. “E viveram felizes para sempre” é geralmente a forma como terminam as estórias infantis. Mas, se depois dessa frase, a criança for questionada sobre o que achou, ou se eles (personagens) realmente foram felizes para sempre, as respostas podem surpreender, uma vez que, na falta de uma prática efusiva da contação de estórias, os adultos em geral não estão acostumados com crianças que discordam ou questionam. Mas elas o fazem, e de forma direta e incisiva, e é essa a função primordial de qualquer literatura: estimular o pensamento crítico. Isso deve se prolongar até o momento em que a criança começa a ler, que é quando os pais devem transferir um pouco da responsabilidade para a própria criança, estimulando-a a buscar a literatura e auxiliando-a a incorporar essa literatura à sua rotina, fazendo associações entre o que é lido e o que é vivido. Estimular a criança a ler não é simplesmente fazê-la praticar a habilidade da leitura. Muito mais que isso, é ajudá-la a ser seletiva, crítica e, acima de tudo, articulada. Afinal, são essas as três características que fazem um indivíduo de sucesso: seleção, criticidade e articulação. É evidente, portanto, que numa sociedade que vê a importância da educação de boa qualidade, mas sofre com a deterioração cada vez mais evidente dessa mesma educação, que o uso do livro infantil torna-se, desde bastante cedo, imprescindível para a formação psicológica e sociológica dos indivíduos. É a capacidade de pensar reflexiva, crítica e coerentemente que vai fazer com que, cada vez menos, exista manipulação do pensamento, para que possa-se atingir um nível superior de entendimento e que cada um enxergue o mundo com seus próprios olhos. Pois, como disse o escritor e intelectual francês André Gide, “que a importância esteja no teu olhar, e não naquilo que olhas”. Nota do Editor: Fernando Ribeiro é professor de Letras da Faculdade Anhanguera de São Caetano e especialista em Didática e Metodologia do Ensino Superior.
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