As origens da narrativa sobrenatural se perdem na noite dos tempos. Desde o instante em que conseguiu articular um discurso minimamente inteligível, o homem assusta a si mesmo. Desamparado em um mundo feroz e trovejante, a vociferar contra sua existência, nosso mais longínquo parente primata era também curioso e buscava explicar, a si e aos de sua espécie, aquilo que lhe fugia à compreensão. As tempestades, o fogo, as bestas; um imenso terreno, até então intocado pela ciência, inspirou as mais delirantes narrativas que, sopradas pelo ancião da tribo em ouvidos atentos ao redor da fogueira, amedrontavam, arrepiavam e, acima de tudo, fascinavam. Os séculos se acumularam, o homem entendeu o mundo, mas o fascínio continuou lá. Graças a ele, relatos insólitos ocuparam primeiro as paredes de cavernas, depois pergaminhos, e, enfim, as páginas de epopeias e livros religiosos. Mas é a partir do século 18 que os textos sobrenaturais se afirmam como tais. E isto se deve a O castelo de Otranto, do inglês Horace Walpole. Considerado o marco inicial da literatura gótica, o romance reúne, pela primeira vez, elementos como ambientação medieval, castelos sombrios, personagens satânicos e fantasmas. E, por seu propósito de assustar simplesmente, sem qualquer intenção moralizante ou doutrinadora, a obra inaugurou uma corrente estética. A partir daí, nada foi como antes. Para fugir às rajadas de razão que varriam a Europa iluminista, mais e mais autores recorreram às sombras do passado em busca do inspirador desconhecido. Vozes como as de Ann Radcliffe, Mary Shelley e tantas outras se destacam; porém, é um autor alemão, E. T. A. Hoffmann, que insere, nos relatos sobrenaturais, um componente que haverá de marcá-los profundamente até hoje: o psicológico. Como todo grande escritor, Hoffmann soube combinar tradição e modernidade em seu conto O homem de areia. Escrito em 1816, quase um século antes da teoria psicanalítica de Freud, o texto transita pelas regiões escuras da mente do protagonista, Natanael, e traz à baila conceitos como o de duplo e alucinação. Inquietante e imaginativo, esse conto de Hoffman estabeleceu novas diretrizes para as narrativas sinistras; diretrizes que, alguns anos mais tarde e milhares de quilômetros mais distante, outro autor explorou com um gênio que muitos acreditam insuperável: Edgar Allan Poe. Pois é praticamente consenso que ninguém fez tanto pelas narrativas sobrenaturais como Poe. Ninguém manuseou tão bem as artimanhas góticas, ninguém foi tão longe na floresta escura da natureza humana, ninguém investiu com tanto vigor contra as paredes que nos separam de possibilidades macabras. Devido a seu talento, senso histórico e espírito crítico, Poe soube explorar com absoluta maestria aquele tão inexplicável fascínio que o horror exerce sobre nós. E, se, hoje, livros de horror são vendidos aos milhares e milhares, é graças a ele, a Hoffmann, a Walpole e a tantos outros nomes que isto ocorre. São artistas que, imbuídos daquela urgência ancestral por fabular sobre o desconhecido, sussurraram nos ouvidos atentos da humanidade algumas das histórias mais aterrorizantes – e fascinantes – que jamais existiram. Nota do Editor: Oscar Nestarez é escritor e pesquisador de literatura fantástica, com especialização em história da arte. É autor de Poe e Lovecraft: um ensaio sobre o medo na literatura e Sexorcista e outros relatos insólitos. Acredita que nada é mais saboroso que um bom relato de horror – com a exceção, talvez, de doce de leite.
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