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Gastronomia
22/04/2014 - 12h03
Uma paixão chamada cerveja
Adalberto Viviani
 
O debate apaixonado e a necessidade de colocar um pouco de razão na discussão

Não conheço bebida que provoque mais paixão entre os brasileiros do que cerveja. Embora tenhamos um consumo per capita inferior ao de muitos países o Brasil já é o terceiro maior produtor do mundo. Um produto apaixonante sempre cria ambiente para discussões também apaixonadas. O problema da paixão é que, muitas vezes, ela cega a razão e a razoabilidade. É o que vejo acontecer nas recentes discussões sobre o milho transgênico na cerveja.

Como o debate vem ganhando a forma de cruzada vamos tentar relaxar um pouco. Baixar as armas. Pode ser até uma boa oportunidade para comprar um sacão de pipocas e assistir uma comédia leve. Ou pegar o carro e ir para a praia aproveitando para dar aquela paradinha com a família e a criançada para tomar um suco de milho, comer um curau, uma pamonha ou um cuscuz. Agora sim, já na praia, pegue aquela deliciosa espiga e relaxe. Agora vamos conversar de maneira razoável.

A paixão tem nos dito que as cervejas brasileiras usam milho o que tem causado horror nas mesas mais exigentes do planeta. Ora, vamos ser francos. Qual é o problema de usar milho? O milho não possui passaporte brasileiro. Os adjuntos, incluindo o milho, são utilizados em diversas marcas mundo afora e em países como Espanha, Bélgica, Inglaterra, França, Japão e Estados Unidos para citar apenas alguns. Porque cervejarias de portes variados usam outros ingredientes além da cevada como o trigo, aveia, centeio e arroz? Porque isso pode conferir atributos ao produto. Quais? Os que diferenciem suas marcas e reforcem suas posições junto aos consumidores. O milho em especial deixa a cerveja mais leve o que faz com que ela seja mais palatável nos países quentes. Certamente existem consumidores com paladares distintos e por isso as cervejarias têm produtos diferentes, com teores diferentes e que atendem os diversos paladares.

Além das grandes, cervejarias de todos os portes também usam outros ingredientes. Algumas marcas importadas já encontradas nos supermercados brasileiros apresentam o milho dentre seus ingredientes. Leia os rótulos. Há uma espanhola que eu particularmente aprecio muito. E lá está o milho. Caso você tenha interesse em fazer uma rota da cerveja na França vá até Landes. O passeio é delicioso e no distrito de Dax pode visitar uma cervejaria artesanal que orgulhosamente cita o milho como um de seus ingredientes. Podemos fazer um guia mundial de cervejas com adjuntos incluindo o milho. Evito mencionar as marcas por não ter consultado as mesmas e não ter interesse em envolvê–las na discussão.

Também vale lembrar que grande parte das cachaças artesanais usa farelo de milho em seu processo de fermentação. Para tirar esta dúvida sobre o uso do farelo de milho recomendo ler “Produção da Cachaça Artesanal Mineira”. Se alguém quiser saber mais use um site de buscas digitando apenas “produção cachaça milho”. Acrescente “Luiz de Queiroz”, a escola da agronomia da Universidade de São Paulo, e terá acesso a uma série de trabalhos que falam sobre o uso do milho na fermentação de nossas cachaças. Temos os uísques de milho que arrebatam defensores nos quatro cantos do mundo. Na verdade a primeira coisa que todo apaixonado sabe é que boa é a bebida que ele prefere e que agrada seu paladar. Pode usar milho, cevada ou jiló.

Usar os chamados adjuntos não é um problema em si. Se você prefere uma cerveja mais densa, opte por ela. Quanto ao milho vale lembrar que ele está integrado à nossa base alimentar como fonte de energia. Ou do prazer daquele curau que a sua avó faz com rara perfeição.

Agora vamos ao tema dos transgênicos. O assunto também desperta paixões e tem defensores de lado a lado. Uns atacam e outros defendem. Não vou defender um ou outro lado. Mas é preciso lembrar que nem todo milho é transgênico, embora a maior parte do que é produzido no Brasil seja. No caso das cervejas o milho, transgênico ou não, participa das reações químicas e ajuda a gerar o álcool, sendo este o resultado do processo que envolve o malte, a cevada ou qualquer outro cereal. Não conheço nenhum estudo que diga que este álcool tenha traços de transgenia. Parece errado dizer que, como resultado do processo de fermentação, será gerado um álcool transgênico. Este termo careceria algum estudo sustentando a afirmação. Conversei com alguns mestres cervejeiros e eles são categóricos em dizer que os estudos que possuem dizem o contrário. Seguindo na mesma linha não perece ser aceitável dizer que algumas de nossas boas cachaças são transgênicas ou que aqueles uísques que possuem fervorosos defensores são transgênicos. Nem as vodkas ou gins, que podem usar diversos cereais, incluindo milho. Seria uma falácia que beira a irresponsabilidade.

O assunto certamente ainda vai gerar debates, especialmente nas mesas de bares onde os verdadeiros apaixonados estão. Aproveite então para discutir, mas veja se não está entrando na onda sem estar informado. Ou você vai acabar, com o perdão do trocadilho, pipocando feio.


Nota do Editor: Adalberto Viviani é consultor especializado no segmento de bebidas e alimentação.

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