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Brasil
15/01/2014 - 18h01
`É preciso repensar a Zona Franca´
Wilson Périco
 

A cantilena do “É preciso repensar a Zona Franca de Manaus” não dá refresco nem trégua, apenas muda cores, humores e abordagens nessa relação truncada e distante do Brasil consigo mesmo. A ordem subliminar parece sugerir o travamento da ZFM, começar pelo boicote articulado por interesses políticos para protelar a liberação do Processo Produtivo Básico (PPB). O prazo para liberar o início da produção de determinados itens chega a superar quatro anos de espera, afeta o aporte de novos investimentos à região e, a despeito das reclamações, tem ficado por isso mesmo. Boicote semelhante acontece na distribuição dos recursos de P&D, recolhidos pelas empresas da Zona Franca de Manaus no setor de informática. Um boicote sombrio, de servidores de terceiro escalão, que se consideram mais reais do que o Rei e mais legais do que a Lei. Mais de R$ 120 milhões que seriam destinados a projetos de inovação em Biotecnologia e Tecnologia da Informação – as prioridades das Global Trends 2015, foram para uma atividade totalmente alheia ao desenvolvimento da região: o agronegócio.

O “pesadelo fiscal”, atribuído ao modelo ZFM, ignora que não há custeio público na produção local. Há renúncia. Entretanto, se o governo deixa escapar por um lado sua compulsão arrecadatória, ganha por outro, fazendo do modelo medida compensatória aos próprios cofres, numa operação fácil e tecnicamente demonstrável. A maior parte, quase 55% dos resultados alcançados pelos benefícios fiscais, volta para os cofres da União. De tudo que é produzido pelas empresas da ZFM, a fatia do leão é destinada ao governo. Em uma pesquisa feita pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA), – na qual a defesa da manutenção da floresta em pé é um axioma indiscutível e bandeira inegociável –, foram analisados os efeitos que os incentivos fiscais concedidos a indústrias instaladas na região têm na distribuição de riquezas entre funcionários, proprietários e governo.

Segundo dados obtidos pelo pesquisador Jorge de Souza Bispo, autor da tese “Criação e Distribuição de Riqueza pela Zona Franca de Manaus”, de toda a produção da ZFM, 54,42% vão para o governo; 27,28% são distribuídos entre os empregados; e apenas 1,82% fica com os empresários. Em compensação, no restante do País o governo recebe 41,54% de toda a produção; os empregados ficam com 36,31%; e os empresários com 6,44%. Para o autor, foi uma conclusão surpreendente, pois mesmo com os incentivos fiscais, as empresas locais geram em média 31% de riqueza sobre o faturamento, enquanto as outras criam aproximadamente 50%.

Pressionado para repensar seu modelo, Manaus comparece com quase 60% dos impostos recolhidos pela União na Região Norte. E o Amazonas é um dos oito estados da Federação que mais recolhem do que recebem recursos. A exportação de recursos para a União arrecadou em 2012 R$ 8,958 bilhões, e recebeu de volta apenas R$ 2,535 bilhões, uma informação que escapa aos desafetos da ZFM. A rigor, a renúncia fiscal real seria de apenas R$ 6 bilhões. A ZFM não beneficia só o Amazonas, mas o Brasil, os brasileiros que consomem os produtos fabricados aqui. Portanto, é preciso rever o discurso raivoso da renúncia, e olhar de outro prisma a paranoia da prorrogação. E se as empresas aqui instaladas, comprovadamente, arrecadam menos que em outros arranjos industriais do País, e las patrocinam duas vezes o orçamento da Universidade do Estado do Amazonas, no fundo criado para sua manutenção, pagam os programas regionais de Pesquisa e Desenvolvimento e os fundos estaduais de turismo e fomento municipal, que permitiram, por exemplo, financiar os projetos de cadeias produtivas no interior. São mais de R$ 2,3 bilhões de investimentos, entre P&D, universidade, turismo e programas de agroindústria para a população ribeirinha.

Com 98% de sua floresta original conservados, é mais barato prorrogar a ZFM e agregar infraestrutura e recursos de P&D para criar outras matrizes econômicas, adensar, diversificar e interiorizar alternativas, coerentes com a biodiversidade, aquicultura, polo gás químico. O contraponto é devastar as matas, ou entregar a região ao narcotráfico, ou, quem sabe, financiar megaestrutura militar para vigiar as fronteiras e proteger seu patrimônio genético. O Amazonas convida o Brasil a conhecer suas matas, sua história, os pioneiros que recriaram a economia com a queda do ciclo da borracha, e apostaram na viabilidade de suas utopias. Conhecer 60% do seu País, ou seja, nossa fantástica floresta, a Amazônia, que o Brasil, a maioria dos brasileiros, desconhece. Está na Constituição Brasileira, existimos para guardar esta floresta, onde brota um quinto de todos os seres vivos do planeta. Um patrimônio que o Brasil precisa olhar com inteligência e sabedoria, para produzir remédios, cosméticos, alimentos e energia limpa, sem destruir suas matas. Assim, somos obrigados a concordar: é hora de repensar o modelo ZFM.


Nota do Editor: Wilson Périco é presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM).

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