Contrariando o que pregam os puristas é praticamente impossível, nos dias de hoje, a literatura não estabelecer diálogos com veículos de comunicação como o cinema e a televisão. Os formatos audiovisuais estão presentes na vida contemporânea, fazem parte do cotidiano da maioria e acabam, com isso, influenciando a nossa maneira de enxergar e refletir o mundo. A literatura, como a arte em geral, modificou-se ao longo da história motivada, em grande medida, pelas transformações operadas no mundo real. Adaptou-se a essas transformações e bebeu nelas para continuar a ser literatura e a ser arte. Assim tem sido com a produção audiovisual no último meio século e, mais recentemente, com a internet.

No Brasil, apesar de contarmos com talentosos cineastas e com muitos filmes extraordinários, é na televisão que o audiovisual mostra a sua força, sobretudo na dramaturgia. As telenovelas talvez sejam a nossa manifestação cultural mais bem-sucedida, ao lado da música popular. Há décadas fazem parte do cotidiano de milhões de brasileiros e, embora hoje em dia enfrentem a concorrência da TV por assinatura e, principalmente, da internet, mantêm-se como referência de entretenimento no país. Durante muitos anos, entre a infância e o fim da adolescência, fui um espectador assíduo de novelas – o que corresponde a toda a década de 1980 e ao começo da de 1990. Cresci dividindo minhas horas de lazer entre as novelas e os livros; hoje, olhando para trás, percebo como essa simbiose cultural afetou a minha produção literária. Sempre que ouço alguém me dizer que percebeu uma influência cinematográfica nos meus livros, respondo de pronto: “a influência foi muito mais teledramatúrgica”, para, em seguida, assumir que, sim, fui um noveleiro durante alguns bons anos da minha vida.

Por incrível que pareça, permanece um tabu para a parcela mais culta da sociedade, principalmente para os homens, admitir que assiste ou assistiu a novelas. Imagino que eles temam pôr a nu uma faceta “brega” da sua personalidade ou assumir perante os outros um paladar cultural limitado. Eu, ao contrário, tenho me alegrado ao receber as primeiras impressões sobre o meu novo romance A outra face do desejo, que está sendo lançado pela Primavera Editorial. Nelas, leitores relatam que viram na trama uma versão literária das velhas novelas das oito da década de 1980, com direito a encontros e desencontros amorosos e ao clima de suspense gerado pelo inevitável “quem matou?”. Pois essa foi justamente uma das minhas intenções ao escrever o livro. Mais do que isso: A outra face do desejo talvez seja a tradução perfeita das minhas duas principais influências culturais como escritor – a literatura e a teledramaturgia; o resultado da junção de dois caldos culturais relevantes que contribuíram decisivamente para a gestação de toda a minha obra literária, embora talvez só agora eu tenha constatado a real dimensão desse processo.

Hoje, verifica-se no Brasil um crescente interesse pela leitura e a literatura brasileira vem ganhando cada vez mais leitores. Considerando que muitos desses escritores são jovens – pessoas que cresceram em meio a esse ambiente de multiplicidade de mídias e em sintonia com o espírito de sua época, transmitindo tudo isso para o seu trabalho –, pairam algumas questões pertinentes que devem ser levantadas, ainda que horrorizem muita gente séria ligada às letras. Uma das razões para a popularização da literatura seria esse diálogo entre as diversas formas de arte que, enfim, estaria chegando com força à ficção brasileira? Teríamos aí uma das chaves para a literatura penetrar no coração das pessoas, convidá-las a abandonar o preconceito em relação aos livros e torná-las leitoras? A resposta... bem, esta deixo ao leitor!

Nota do Editor: Luis Eduardo Matta (www.lematta.com) – que recentemente lançou o livro A outra face do desejo pela Primavera Editorial – nasceu no Rio de Janeiro, em 1974, cidade onde atualmente reside. Descendente de libaneses pelo lado paterno, o autor iniciou a carreira literária em 1993, aos 18 anos, com a publicação do livro Conexão Beirute-Teeran (Editora Chamaeleon), um thriller com nuances policiais, ambientado no pós-guerra do Líbano. A decisão de assumir por ofício a escrita pelo viés ficcional resultou na publicação das obras “Ira implacável: indícios de uma conspiração” (Razão Cultural Editora); “120 horas” (Editora Planeta); “Morte no colégio” (Editora Ática); “Roubo no paço imperial” (Editora Ática); “O diário perdido de Pernambuco” (Editora Ática); “O rubi do planalto central” (Editora Ática); “O dia seguinte” (Escrita Fina Edições); e “O véu” (Primavera Editorial). Em 2011, Matta enveredou por um gênero novo, o Chick Lit, lançando a série “As bem resolvidas(?)”, voltada para o público jovem feminino. O escritor participou, ainda, das antologias de contos “Território V: vampiros em guerra” (2009); “Dimensões.br” (2009); “Jogos criminais” (2011); “Internautas: os chips reinventando o nosso dia a dia” (2011); e “Geração subzero” (2012). Luis Eduardo Matta tem diversos artigos e ensaios publicados, boa parte abordando a questão da formação de leitores nas escolas e a popularização da leitura no Brasil. Durante cinco anos ele foi colunista do site Digestivo Cultural e visita periodicamente escolas de todo o país, ministrando palestras e participando de eventos e feiras. Matta é filiado à Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil (AEILIJ). Com abordagem contemporânea e estilo ágil, sutil e refinado, Matta confere ao thriller uma fisionomia brasileira sem despojá-lo das características fundamentais do gênero universal.