Inicialmente devo dizer que não tenho nada contra a CETESB ou seus abnegados funcionários. São gentis e competentes, porém, fazem o que seus superiores em São Paulo determinam. Involuntária ou inocentemente são peças de uma engrenagem que tem uma lógica política do governo estadual que subordina e compromete as ações legítimas do governo municipal. Sem dúvida, essa conduta do estado retarda a maioridade do município necessária para cuidar de seu próprio progresso social e econômico. Porque a CETESB pode regular a ocupação de nosso próprio território, com poder discricionário, licenciando a seu critério e a seu tempo atividades e empreendimentos se a Constituição Federal e um conjunto maciço de leis estaduais e municipais determinam que os próprios municípios o façam? Durante o longo processo de discussões e elaboração da lei estadual do gerenciamento costeiro e seu decreto de regulamentação do Zoneamento Ecológico e Econômico do Litoral Norte, imposto aos quatro municípios do Litoral Norte com uma visão generalista, mesmos princípios e regras independentemente de suas vocações e peculiaridades sociais e econômicas, construiu-se a noção de que não poderíamos decidir sobre o que fazer num território tão vasto no qual se concentravam três biomas protegidos pela Constituição, a zona costeira, os mangues e a Mata Atlântica. A SEMA, Secretaria Estadual do Meio Ambiente com apoio do Ministério Público assumiu, através do escritório local do DEPRN, Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais, os licenciamentos e as decisões sobre a implantação e expansão das atividades econômicas de Ubatuba, alegando que assim seria até que fossem criadas leis capazes de tratar essas questões. Dizia-se que Ubatuba não tinha técnicos qualificados para cuidar de sua preservação e que seus poderes executivo e legislativo mostravam-se despreparados e vulneráveis à pressão imobiliária, crescente a partir da construção da Rio-Santos e da Piassaguera, rodovia que ligou toda baixada santista ao Guarujá dispensando a morosidade da travessia pelo velho sistema de balsas, carreando para as praias do litoral norte hordas de veranistas que já não cabiam nas praias santistas. Se é inegável que os esforços da SEMA evitaram em grande parte a destruição de nossa natureza com a aplicação rigorosa da política do não, é inegável também que ao assumir o controle do uso do solo no município não permitiu que construíssemos uma política municipal de preservação, um sistema próprio de diretrizes e licenciamento e a formação progressiva de uma cultura econômica na população baseada nos valores da ecologia e todo seu significado turístico exclusivo de Ubatuba. Ficou sempre o Estado contra a população de Ubatuba. É este o lado perverso da política estadual acima referido. SEMA, DEPRN, SABESP, CETESB além de sua função técnica tornaram-se instrumentos políticos que sutilmente passaram a decidir a vida do município. Numa apreciação favorável pode-se dizer que foram órgãos necessários, mas seu tempo esgotou-se porque as esperadas leis já existem. Para fundamentar a posição radical aqui assumida selecionei alguns artigos das leis em vigor que estruturam-se entre si e determinam que Ubatuba inicie seu processo de auto gestão. “Os Estados e Municípios poderão instituir, através de lei, os respectivos Planos Estaduais ou Municipais de Gerenciamento Costeiro e designar os órgãos competentes para execução desses planos.” Art 5º, § 1º da Lei federal nº 7.661 de 16/05/1988 que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. “... as metas de desenvolvimento sócio-econômicas e de proteção ambiental a serem alcançadas através de planos de ação e gestão integrados e compatibilizados com os Planos Diretores Regionais e Municipais e, na ausência destes, com as Leis Municipais de Uso e Ocupação do Solo.” Art 13, § 1º da lei estadual nº 10.019 de 3/07/1998 que dispõe sobre o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro “O Município promoverá a utilização justa e equilibrada de seus recursos territoriais mediante controle da implantação e do funcionamento de atividades industriais e extrativistas, bem como preservação e recuperação do meio ambiente e uso racional dos recursos hídricos e minerais, inclusive nas atividades não urbanas.” Art 187 da Lei Orgânica do Município de Ubatuba / 1990 “O conceito de meio ambiente não se restringe à proteção dos aspectos naturais da vida animal e marinha, da integridade dos recursos hídricos, vegetais e minerais, da proteção das encostas, zonas costeiras e praias, mas amplia-se como conceito de força econômica do município, por ser a paisagem natural e suas reservas o apelo fundamental de suporte de uma política de desenvolvimento turístico e, consequentemente, de desenvolvimento econômico e social.” Art 205 da Lei Orgânica do Município de Ubatuba / 1990 “O Município promoverá com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, que se traduzirá por uma política municipal de meio ambiente, visando um harmonioso desenvolvimento econômico e social.” Art 206 da Lei Orgânica do Município de Ubatuba / 1990 “O Conselho da Cidade constituirá, prioritariamente, a Câmara Técnica de Gestão Compartilhada, composta por representantes do Poder Executivo, do Poder Legislativo e da Sociedade Civil organizada de Ubatuba, da qual será dada participação, também, a representantes do Estado e da União, para deliberação conjunta referente aos aspectos de jurisdição comum ou específica, os quais se refletem de forma significativa na economia e na qualidade de vida do município.” Art 284 do Plano Diretor de Ubatuba de 15/12/2006 “A Câmara Técnica de Gestão Compartilhada decidirá sobre os usos e ocupação do solo, de prerrogativa constitucional dos Municípios, incidentes sobre as áreas de domínio do Estado e da União, de forma a garantir a regularização fundiária e sustentável.” Art 286 do Plano Diretor de Ubatuba de 15/12/2006
É curioso lembrar que no fim da década de 70 quando não havia nenhuma lei de proteção ambiental específica para o litoral brasileiro, o governo federal em sua visão militarista de segurança nacional empenhou-se em construir uma gigantesca estrutura de fabricação de explosivos e armamentos através da Avibras na imensa área adquirida nos sertões do Puruba, em plena Mata Atlântica e Zona Costeira de Ubatuba. E foi justamente a comunidade de Ubatuba que se levantou, organizou-se, criou o MDU, Movimento em Defesa de Ubatuba e promoveu intensa campanha na imprensa que culminou com o cancelamento daquele empreendimento bélico provocando também, na sequência dessas pressões, o Tombamento da Serra do Mar. Esta mesma comunidade foi posteriormente declarada pelo Estado como incapaz de cuidar da conservação de sua natureza...! Como se vê, temos o histórico de defesa de nossos recursos naturais, temos as leis, mas não temos tido a capacidade de usá-las. O Plano Diretor de Ubatuba aprovado pela Câmara Municipal e sancionado pelo prefeito em 2006 após um intenso processo de debates participativos com a população contém em seus 290 artigos toda a estrutura econômica, os mecanismos para a formulação das políticas setoriais, as garantias de participação da comunidade na definição das prioridades de desenvolvimento e a criação do Conselho da Cidade e dos Conselhos Distritais e Setoriais para a defesa permanente dos interesses da população. Estabeleceu prazo para a criação da nova lei de uso do solo e criou instâncias de deliberação conjunta com o Estado e a União em razão da jurisdição comum em cerca de 85% do território do município. É completo, é único e específico para as características de Ubatuba e cria as condições para a construção de um grande envolvimento cívico da população com a administração da cidade. O prefeito que saiu não teve a noção do momento e de sua importância e mandou ilegalmente engavetá-lo logo após sua publicação. Interpretou seus mecanismos de forma arcaica e assustou-se em ter que dividir sua força administrativa com a comunidade. Hoje temos o início de um momento político diferente. É animador ler as declarações do novo vice-prefeito, Sérgio Caribé, publicadas recentemente no jornal A Folha de Ubatuba. Referindo-se ao Conselho de Turismo ele emite conceito de participação ampla perfeitamente compatível com as premissas do Plano Diretor: “Sou totalmente favorável à participação dessas entidades. Quanto mais gente participar maior representatividade terá o Conselho e melhor será para a cidade. Não dá pra ficar restrito a um pequeno grupo e seus próprios interesses.”
É isso, vamos esquecer essa coisa de manter aqui a CETESB para nos dizer o que fazer. Sugiro que a nova administração municipal organize um ciclo de estudos do Plano Diretor junto à comunidade aproveitando-se da necessidade legal de fazer sua revisão e criar um novo estímulo para retomar as rédeas do nosso desenvolvimento. Se nada for feito, se nada exigirmos estaremos condenados a ficar indefinidamente na avenida a ver canoas! Nota do Editor: Renato Luiz Martins Nunes, arquiteto, ex Secretário Municipal de Arquitetura, de Planejamento, representante de Ubatuba em praticamente todas as reuniões para formulação do Zoneamento Ecológico e Econômico do Litoral Norte, co autor do Projeto da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo e co autor do Plano Diretor de Ubatuba.
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