(*) Profa. Maria Luiza Tucci Carneiro, Luiz Carlos Fabbri e Abraham Goldstein
Desde 1933, para cumprir o seu objetivo de livrar-se dos judeus, classificados como “impuros por sua raça”, os nazistas em sua expansão territorial acelerada durante a Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945), dominando o Estado alemão, implantaram e operaram campos de concentração, câmaras de gás, fornos crematórios, experiências médicas com humanos, assassinatos públicos em massa, valendo-se de uma logística e determinação que assombra a humanidade até os nossos dias. A esse processo que assassinou seis milhões de judeus, apenas pelo fato de serem judeus, milhares de Testemunhas de Jeová, ciganos, negros, deficientes, políticos e outros considerados inimigos do regime, deu-se o nome de HOLOCAUSTO. No dia 8 de abril, a comunidade judaica e, em especial, a de Israel, rememora o Holocausto através de uma cerimônia bastante simbólica, estabelecida em 1959 como lei e aprovada por David Ben-Gurion e Yitzhak Ben-Zvi: o Yom Hashoá ou Dia da Lembrança do Holocausto. Em Israel, feriado nacional, a população faz dois minutos de silêncio entrecortados apenas pelo alarme de sirenes aéreas. Estabelecimentos públicos são fechados, as bandeiras hasteadas a meio mastro, e os veículos de transporte param, assim como as pessoas. Em várias partes do mundo, rememora-se a data sob o lema de “lembrar e recordar – jamais esquecer”. A data escolhida, originalmente 15 de Nissan do calendário hebraico, marca o fim da revolta do Levante do Gueto de Varsóvia, em 19 de abril de 1943, quando pela primeira vez, um grupo de judeus confinados no gueto e chefiados pelo jovem Mordechai Anielewicz, desafiou durante vários dias o poderoso exército nazista, que acabou assassinando milhares de judeus habitantes daquela área de confinamento. O Gueto – construído em Varsóvia, logo após a ocupação da Polônia pelo exército nazista – chegou a ter mais de 380 mil judeus, confinados em menos de 3% do espaço da cidade, onde uma dieta de 184 kcal era servida, causando morte, tifo além da determinação de destruir a moral da, na época, ativa, cultural e pungente comunidade judaica polonesa. Importante rememorar esta data como uma reivindicação ao “direito à rebelião e resistência” nos casos de repressão onde vidas correm perigo. No entanto, a data do Yom Hashoá extrapola o Holocausto enquanto fato histórico a ser lembrado enquanto crime contra a humanidade: deve ser também, adotado enquanto tema/referência para outros tantos genocídios que continuam a abalar a humanidade, em pleno século XXI. Yom Hashoá traz uma mensagem nas suas entrelinhas: devemos sair do estágio da reflexão e da rememoração para entrar firme no estágio da ação com o firme propósito de alertar para as possibilidades de reprodução e de negação. Isto porque constatamos que o antissemitismo não morreu com Adolf Hitler; assim como não morreram as mentiras pregadas pelos Protocolos dos Sábios de Sião. Se aos filhos e netos de sobreviventes do Holocausto cabe a rica missão de zelar pelo legado que receberam de seus pais e avós, a nós cabe ensinar os nossos jovens a respeitar ao outro, a (co)existir respeitando as diferenças. Se não for assim, prestamos um desserviço à memória e alimentando o ódio semeado pelo nazismo e pelo antissemitismo político que, nos dias atuais, renascem das cinzas metamorfoseados de antissionismo, neonazismo, revisionismo, e negacionismo. Racistas e fanáticos não são personagens exclusivos do Estado totalitário e nem de um passado longínquo. Ódio e violência sem limites continuam a funcionar como impulsos para as ações de indivíduos que ignoram o diálogo, a ética e a dignidade humana. Hoje, em meio às democracias liberais, os racistas encontram condições adequadas para proliferar e se multiplicar como se fossem vermes. Alimentando-se da liberdade democrática, aproveitam-se dos modernos meios de comunicação para colocar em circulação seu veneno que, apesar de estar com validade vencida, ainda conquista adeptos. Estas reflexões se fundem na complexa discussão sobre “onde o ser humano pode chegar?” Preocupados por onde tem andado a Humanidade e com ações sistemáticas executadas por “mentes doentias treinadas para odiar” é que o Instituto Shoah de Direitos Humanos (ISDH) – um departamento da B’naiB’rith em parceria com o LEER – Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação da Universidade de São Paulo – vem para atuar na formação de uma consciência histórica e a prática de políticas públicas direcionadas para o combate à intolerância através da educação e da produção de conhecimentos sobre o Holocausto. Essas são as razões que movem os programas educativos e de pesquisa do ISDH; essas devem ser, também, as razões que nos unem nesta data de Yom Hashoá. Para o filósofo e jurista Norbert Bobbio, autor de A Era dos Direitos (1992), a discussão em torno dos direitos humanos ocorreu de maneira tão intensa entre a comunidade internacional nas últimas décadas que poderia ser interpretada como um sinal do progresso moral da sociedade. Teria, realmente, o homem avançado no sentido de criar mecanismos para assegurar os Direitos Humanos? Na opinião de Bobbio, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) pode ser considerada como a maior prova existente de consenso entre os seres humanos, valorizados nos seus direitos e deveres. No entanto, para que esses princípios básicos de Direitos Humanos sejam cumpridos, para que o slogan “Holocausto, nunca mais” surta efeito, precisamos estar vigilantes, alertando para o perigo das ideias racistas e orientando nossos jovens a participar ativamente da sociedade, para o bem de todos. Através de um Programa de Educação em Direitos Humanos, devemos oferecer-lhes conhecimentos para dizer NÃO às violações dos Direitos Humanos. Não devemos aceitar como “normal” a banalização da violência, a proliferação de ideias racistas, as ações dos grupos neonazistas, a edição de “teses” que negam o Holocausto ou de leis que proíbem o acesso aos arquivos da Ditadura Militar. São histórias e memórias que dizem respeito a todos e não apenas à comunidade judaica. É com este objetivo – de educar para a democracia e para a cidadania – que devemos, no dia de Yom Hashoá, fazer muitos minutos de silêncio por todos aqueles que, em diferentes momentos da História da Humanidade – foram vítimas da violência, do racismo e da discriminação. E, após essa pausa, devemos sair do estágio da reflexão e da rememoração para entrar firme no estágio da ação educativa. Essa é a proposta que conduz as atividades do Instituto Shoah de Direitos Humanos, junto à B’nai B’rith em São Paulo. Nota do Editor: Profa. Maria Luiza Tucci Carneiro, Luiz Carlos Fabbri e Abraham Goldstein são da comissão fundadora do ISDH. Contato: isdh@bnai-brith.org.br / (11) 3082-5844.
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