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Brasil
15/07/2012 - 11h02
Distorções de uma tributação mal planejada
Gilson J. Rasado
 

Que a carga impostos, contribuições e taxas suportada pelos brasileiros (pessoas físicas e jurídicas) é excessivamente alta, e que nosso sistema tributário é um dos mais complexos do mundo, não é novidade nenhuma. O que pode ser novidade para alguns é o fato de a União Federal tributar as receitas, o patrimônio e os serviços dos Estados e dos Municípios, e vice versa.

Conquanto as inúmeras constituições da República desde a primeira, de 1891, até a última, de 1988, tragam insculpido o princípio da imunidade tributária recíproca, na prática essa regra nem sempre é respeitada.

Para comprovar esse fato, basta trazer alguns exemplos: (I) a União adquire equipamentos de informática necessários para prestação dos serviços que lhe são próprios, cujos preços são acrescidos de tributos devidos a ela mesma (IPI, PIS e COFINS) e aos Estados (ICMS); (II) os Estados adquirem serviços de comunicação e energia elétrica onerados com ICMS devido a eles mesmos e com PIS e COFINS devidos à União; e (III) os Municípios adquirem serviços de limpeza urbana cujos custos são onerados com o ISS cobrado pelas suas próprias fazendas e com PIS e COFINS recolhidos à União.

Embora seja complemente desprovido de lógica e de bom senso, ao participar de um certame licitatório para venda de bens e serviços para qualquer órgão governamental, o proponente deve incluir no respectivo preço os impostos e contribuições que, após recebidos, são devolvidos aos mesmos governos que os cobraram.

O que se pode dizer é que a Constituição Brasileira não está sendo interpretada de forma adequada e que os princípios da imunidade tributária recíproca e da Federação estão sendo postos de lado pelos órgãos de arrecadação.

Mas não é só nas situações que envolvem aquisições de bens e serviços que uma Unidade da Federação investe contra as receitas de outra. Mantém-se até nossos dias, embora sem os fundamentos que justificaram a sua criação, a contribuição ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PASEP, instituída pela Lei Complementar nº 8/70, cobrada pela União sobre as receitas dos Estados e dos Municípios.

Convém rememorar que a citada lei complementar instituiu o PASEP, com o objetivo de contemplar os servidores públicos com direito semelhante ao criado em favor dos trabalhadores da economia privada pela Lei Complementar nº 7/70 (Programa de Integração Social - PIS). A referida contribuição devida pela União, pelos Estados, pelos Municípios, pelo Distrito Federal, pelas autarquias e fundações públicas, destinava-se à formação de fundo para distribuição em contas individualizadas de todos os servidores civis e militares na ativa.

A contribuição ao PASEP, como também aquela destinada ao PIS, não tinham, na vigência da Constituição Federal de 1967/69, na redação que lhe deu a Emenda Constitucional nº 08/77, natureza tributária, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (RE nº 148.754/RJ), já que se destinavam a formação de um fundo de propriedade dos servidores públicos e trabalhadores na iniciativa privada, não integrando as receitas do Tesouro Nacional, tampouco da Previdência Social.

Com a entrada em vigor da Constituição da República de 1988 as receitas destinadas a formação dos Fundos de Participação do PIS e do PASEP passaram, revestidas agora com a natureza de tributo, a financiar o programa de seguro desemprego e o abono anual de um salário mínimo aos trabalhadores de baixa renda (CF, art. 239, § 3º).

Portanto, a partir da Constituição de 1988, as contribuições ao PASEP, exigidas sobre as receitas dos Estados, dos Municípios, de suas autarquias e fundações, e contribuições do PIS, devidas pelas empresas e entidades privadas, passaram a financiar programas de seguridade social, especialmente o programa de proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário e o abono anual devido aos empregados que percebam de empregadores que pagam referidas contribuições remuneração de até dois salários mínimos.

É relevante notar que, do lado dos contribuintes do PASEP, a exação resulta desprovida de referibilidade, isto porque o desemprego involuntário não ocorre em relação aos servidores públicos, os quais têm na Constituição proteção contra demissões imotivadas.

Essas anotações mostram que a contribuição do PASEP representa indevida intervenção da União nas receitas dos Estados e dos Municípios e que se faz necessário avançar na análise da regra da imunidade tributária recíproca, para interpretá-la em consonância com o princípio da Federação.

Não se pode deixar de mencionar ainda o fato de que as receitas dos Estados e Municípios vêm sendo reduzidas de forma sensível a partir da Constituição de 1988, através da prática pouco republicana da União, com a aquiescência de Senadores e Deputados, que é a redução dos tributos que integram os Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios e o aumento daqueles que não são repartidos, em relação ao total arrecadado, mas isso é assunto para outro estudo.


Nota do Editor: Gilson J. Rasador, advogado tributarista, Diretor da Pactum Consultoria Empresarial.

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