A recente publicação da NBR 15.575 - Norma Brasileira de Desempenho de Edifícios - pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e a demanda cada vez maior para obras sustentáveis trouxeram à tona um tema que é fundamental para a construção civil e para os consumidores brasileiros: a vida útil das edificações. Mas por que é importante projetar edifícios que durem bastante, por exemplo, 40 anos? O desempenho de uma edificação é a tradução das necessidades humanas e compreende diversos requisitos como estabilidade estrutural, segurança no uso e operação, estanqueidade, desempenho acústico, ambiental, dentre outros. Desempenho e vida útil são conceitos que andam sempre juntos, não existe bom desempenho sem vida útil adequada e vice-versa. O primeiro aspecto relacionado à vida útil é econômico e é importante tanto para o consumidor como para as finanças do País. Para produtos de consumo ou para bens não-duráveis, o consumidor faz suas opções no quesito durabilidade por conta própria e através de análise subjetiva, com base em informações que lhe são fornecidas pelos produtores, pelo efeito do aprendizado (compras sucessivas) e pela sua disponibilidade financeira. Assim, o mercado de bens não duráveis se regula por si só, havendo uma seleção natural por parte dos consumidores, de produtos que atendem as suas expectativas de durabilidade e de valor. No entanto, para bens duráveis, de alto valor unitário e, geralmente, de aquisição única, como é a habitação, o mercado não se regula sozinho e a sociedade tem de impor outros marcos referenciais. O custo de um imóvel deve ser analisado numa visão de longo prazo que inclui o custo da construção e os de operação e manutenção ao longo da vida útil. Sem o estabelecimento de uma vida útil mínima obrigatória para as edificações, é natural que os construtores optem por um custo inicial menor em relação ao custo global da obra, o que tende a gerar uma durabilidade inadequada que compromete o valor do bem e prejudica o usuário. O estabelecimento em lei, ou em normas, da vida útil mínima se configura assim como o principal instrumento para otimizar o custo global das edificações habitacionais, principalmente para aquelas subsidiadas pela sociedade. Do ponto de vista da sustentabilidade, a vida útil de uma edificação esta ligada diretamente ao seu ciclo de vida e quanto maior este for, melhor para o meio ambiente, pois demorará mais para que novas matérias-primas sejam extraídas da natureza para a construção de uma nova edificação. A sustentabilidade é a razão filosófica pela qual se investiu tanto nas duas últimas décadas para a aplicação prática do conceito do desempenho e a concepção de edificações para o atendimento a uma vida útil pré-definida (um exemplo é a ISO 15.686, feita na década passada, que estabeleceu uma metodologia para a estimativa da vida útil). Como a construção civil é o setor da economia que mais impacta o meio ambiente, nada mais natural que seja o foco das demandas ambientais. Embora o conceito de vida útil seja importante e simples de ser compreendido, sua aplicação prática é complexa, tanto por aspectos técnicos como jurídicos. Não temos no Brasil ainda uma cultura de concepção dos projetos para o desempenho associado a uma vida útil e faltam informações técnicas de uma forma organizada sobre a vida útil potencial dos elementos e componentes que comporão os sistemas de um edifício, há carência de investimentos em pesquisas nesta área. Para tecnologias e sistemas convencionais, o próprio histórico de sua utilização já é um balizador importante de sua vida útil potencial. Do ponto de vista jurídico, é importante diferenciar vida útil como referência técnica de projeto e não como garantia. A obrigação do setor da construção em relação à vida útil é conceber os empreendimentos para que estes tenham o potencial de atingi-la, mas a obtenção efetiva da vida útil na prática depende de fatores que fogem ao controle dos produtores. Apesar de todas as dificuldades para a concepção de edificações para uma vida útil de projeto, este é um caminho sem volta, viável tecnicamente com algum esforço setorial e de interesse dos consumidores e da sociedade brasileira, com os cuidados para um enfoque técnico e jurídico condizente com o caráter probabilístico do tema. Nota do Editor: Carlos Borges (carlos.borges@tarjab.com.br), vice-presidente de Tecnologia e Qualidade do Secovi-SP.
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