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Opinião
18/11/2010 - 17h22
A delicada relação entre jabá e conteúdo
Meg Guida
 

Faz anos que estou na área de comunicação jornalística atuando dos dois lados do balcão: como repórter, redatora, editora e colunista e, há pelo menos 20, como assessora de imprensa. Esse passado/presente me lega, portanto, a segurança de uma análise sem paixão do embate ainda delicadíssimo envolvendo "jabás" caros - como viagens ao exterior - e a essência da atividade da imprensa. A prática de convidar jornalistas se alinha a políticas corporativas mundiais de relacionamento. Viagens para apresentação de produtos e serviços são recursos para que jornalistas realizem a experiência de viver o ambiente do que vai, em tese, reportar ao público leitor. Público interessado naquele tema, como notícia. Há que se dizer, também, que essas viagens tem apelo sedutor e que esse profissional dificilmente seria enviado pelo jornal, revista, rádio, TV ou site no qual trabalha para locais tão estrategicamente escolhidos para encantar. Falo de tours nobres, aqueles de lançamento de automóveis, as incursões de sonho a paraísos turísticos que necessitam de promoção e visitas institucionais a eventos de tecnologia. É aí que se instala uma discussão, a meu ver, de reciprocidade ética. Ora, se as empresas jornalísticas não têm verba suficiente para bancar as viagens de seus repórteres para coberturas do mundo das variedades fora (e dentro) do país e existem companhias no mercado dispostas a oferecer essa oportunidade, como convites, por que não achar um ponto de equilíbrio nessa demanda? Mais ainda: o que pode ter de patrulhamento político quando se oferece uma viagem para as editorias de entretenimento e lazer? “Jabá”, a como se referem ainda os jornalistas impolutos do tempo do past up, é um termo fora de moda, caduco, que cheira a propina ou, para ser mais sutil, venda disfarçada e imposta de qualquer coisa. Um convite para uma viagem com o objetivo claro de cobertura jornalística, uma vez avaliados os pontos, ganchos e criações de situações de notícias apontados pela assessoria e os veículos selecionados, é advento que merece tratamento diferenciado pelos editores e diretores de redação. O que tenho percebido, em alguns casos recentes, é que ainda prevalece no ambiente jornalístico dos decisores da opinião pública, a mentalidade retrógrada do convite de viagem como “prêmio” a um profissional destacado na redação, sei lá por quais motivos. Então o incauto repórter viaja, se enche de releases e simplesmente passeia. Volta com um registro, uma nota e pronto. A missão dá-se como cumprida. Se vivemos hoje no mundo da valorização do relacionamento, na era da convergência, por que encarar como jabá a iniciativa de uma empresa privada, fazendo um convite para que se conheça um produto de divulgação passível de cobertura? Posturas intransigentes de títulos que aceitam convites para tours, por exemplo, e fazem questão de tratar com indiferença a companhia anfitriã nas matérias, escorando-se na máxima de liberdade jornalística, soa no mínimo como uma piada. Liberdade seria declinar, então. Pior do que isso, acontece com as publicações que dizem sim a convites de excursões ao exterior e usam a viagem apenas para produzir conteúdos dos destinos turísticos, aproveitando-se da oportunidade. A reciprocidade, no entender deles é dar um crédito de pé de página, lembrando que o jornalista enviado viajou pela cortesia da companhia de tal...

Para deixar claro: eu não defendo aqui a parcialidade ou obrigatoriedade de jogar confete na empresa que convida, tampouco a exclusividade do espaço. A minha régua é outra. Acho que quando se oferece a oportunidade para alguém sério viajar, esse alguém sério deve checar as opções que a concorrência mostra e inclui-las na reportagem. Afinal, estamos nos referindo a matérias com foco de serviço, que precisam apresentar ao potencial consumidor as variações de conceitos, modelos, preços e benefícios que pesam ao se adquirir um bem como uma excursão cara. Por esse raciocínio simples, é claro que quando o autor conhece de perto sobre o que fala, a abordagem tenderá a ser mais detalhada e até generosa. Não vou entrar na discussão entre quem anuncia no veículo ou quem não anuncia ter aquiescência por parte dos editores. Essa pendenga entre o jornalista se achar prostituído porque o marketing e o comercial o pressionam é mais velha do que o tempo da calandra e do Cruzeiro. E também se vê por um binóculo, hoje, a figura do jornalista idealista e romântico, atrás do furo, como um ser acima do bem e do mal e inflexível no seu olimpo de julgamentos. Qual a solução apaziguadora entre esses interesses? Da minha lavra, colocar claramente as cartas da mesa, abrindo o diálogo para negociações éticas. O veículo aceitou o convite da viagem porque não tem cacife para mandar o jornalista conhecer lugares e novos produtos? Então, todos ponderam tudo, na base do bom-senso. Cabe à assessoria mergulhar nas possibilidades de pautas com ganchos adequados e cabe ao repórter escalado para a cobertura ter espírito investigativo e boa vontade para apurar e criar histórias a partir de fatos. Agências de comunicação bem reputadas não se arriscam convidando a imprensa para “programas de índio”, ainda que o cliente pressione para um malho institucional. Um convívio honesto entre quem propõe e dá e quem recebe e aceita, na minha opinião, antes de ser objeto de crise, pode ser de conciliação


Nota do Editor: Meg Guida é jornalista e diretora do Porta-Voz Comunicação.

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