Há um tempo atrás tive a felicidade de ler um artigo do Dr Eugênio de Camargo Leite intitulado “mulher de palha”. Digo felicidade por que a clareza, a objetividade e a oportunidade encontraram conjugação perfeita nas palavras do Dr Eugênio. Tanto é verdade que, apesar de atrasado, não estou sozinho nos elogios que o artigo recebeu. Na época, o texto provocou em mim algumas reflexões e suscitou algumas interrogações: em que tipos de terras florescem os homens ou as mulheres de palha? Seria em terra de covardes? De pessoas omissas? Ou em terra de oprimidos? Acho que em todas essas pululam os também chamados, narizes de cera. De onde ouso concluir que somente na harmonia da democracia plena é que teremos a ausência de tão tristes figuras. Numa democracia incipiente como a que vivemos, os poderes são exercidos por pessoas que, ou invocam para si a responsabilidade do bem, ou cultivam um suposto poder do mal. Fato é que, mais do que mulheres ou homens de palha podemos ver com facilidade e constatar em todos os setores que invocam poder, abnegados defensores da liberdade e esboços de pequenos senhores feudais. O resultado é que todos nós ficamos sujeitos aos humores pessoais dos que exercem os pequenos poderes. Nas comunidades menores é que podemos constatar de maneira clara e muitas vezes cruel as manifestações desses humores nos poderosos e dos temores nos oprimidos. Assim, contraposto aos homens e mulheres de palha estão os homens e mulheres de barro. Se aqueles não alcançaram a expressão da própria opinião, estes ainda não receberam o sopro divino que os transformarão em seres capazes de sentimentos próprios, cumprem cegamente as ordens de qualquer mestre que lhes acene com nacos de poder. Uns de barro ressequido são violentos e agressivos, sabedores que são fracos e quebradiços; Outros de barro recente, maleáveis que são, se moldam a qualquer situação que os mantenha no status alcançado. O certo é que, em nome de qualquer pequeno poder os homens de barro procuram destruir tudo o que não tenha a sua chancela, a sua autorização. Para manterem as benesses conquistadas, oprimem os que se sujeitam orbitar em torno da sua opinião e destroem os que ousam contrapor ou contradizer. Quando na China antiga um imperador aceitou que se criasse um exército de homens de barro para tê-los como guardiões na sua morte, ele pensou no valor dos homens vivos que formariam o exército que conduziria a China na sua ausência. Neste novo milênio que adentramos, vemos que muitos homens de valor são enterrados vivos para que não venham atrapalhar nossos pequenos imperadores e seus exércitos de homens de barro. E, àqueles que a palha dispensam por terem opinião própria, que o barro não lhes cabe por serem de boa cepa, que de Cândidos de Voltaire não se vestem por não temerem a realidade, resta o trabalho calado, o sentimento sufocado, o grito desesperado. Não foi a “cegueira”, a preguiça, a ignorância que criou a maioria de omissos, foi o cansaço.
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
|