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COLUNISTA
Carlos Rizzo
08/12/2004 - 11h07
Ubatumirim, o começo do fim
 
 

Talvez seja de 1920 a primeira citação acadêmica sobre a singularidade do falar caiçara. Amadeu Amaral no livro "O dialeto caipira" lamenta as poucas informações, mas ressalta a distinção, a diferença dialetal do povo do litoral paulista que, Serafim da Silva Neto (no Manual de filologia portuguesa, 1957) situou com precisão na costa norte do litoral de São Paulo.

Um falar não chega a um dialeto. Um falar é o meio oral de expressão de um grupo humano, de uma aldeia a um município, que tem consciência de certas particularidades lingüísticas que os distinguem dos seus vizinhos. Notáveis em populações que nada ou pouco se deslocam, agrupadas em comunidades e afastadas de qualquer outro contato mantém-se integro por séculos.

Todas as referências acima são algumas das descrições das particularidades do então chamado "Império Caiçara". Termo largamente utilizado pelos jornalistas do "O Estado de São Paulo" quando vieram reportar a chegada da rodovia Rio-Santos nos sertões de Ubatuba, com especial atenção ao sertão do Ubatumirim, onde os jornalistas encontraram um falar próprio e característico com nítidas perdas de mensagens nas entrevistas. Tal singularidade motivou uma extensa tese de doutorado defendida por Olympio Corrêa de Mendonça na USP em 1978.

Em 1972, José Merquiez, numa série de reportagens para "O Estado de São Paulo" intitulada de "Rio-Santos empurra o caiçara para o sertão", cita num trecho:

"As grandes máquinas estão chegando, abrindo uma estrada de terra vermelha no coração da selva isolada pelo mar, junto com as máquinas, a grilagem e a especulação imobiliária provocada pelo progresso e pelo turismo industrial que a Rio-Santos carrega para o até então esquecido Litoral Norte". Mais adiante ele continua: "Eles pensaram em tudo, projetaram uma bela estrada, anteviram o progresso de uma região que durante séculos permaneceu esquecida. Mas esqueceram do homem. Colocaram-no em plano irrelevante, se é que o colocaram, e estão aí as conseqüências tristes e dramáticas do confronto de dois povos, de duas culturas frontalmente antagônicas".

Naquela época, 1972, Burle Marx classificou a construção da rodovia como um caso de polícia. Ao que o DNER através do agrônomo João Bernardino Filho respondeu: "Com relação à agressão que a Rio-Santos está fazendo naquela região, e não temos dúvidas que estamos fazendo, devemos salientar que é em nome de uma estrada de primeira classe e executada por ordens superiores".

A rodovia antes acenada como sinal de progresso, parecia o início de uma nova história para o povo do litoral e em especial aos moradores do Ubatumirim, tornou-se a decadência de uma cultura com um golpe fatal na riqueza do seu falar. Ferida de morte, as tradições foram sobrevivendo aos estertores, e agora tomamos conhecimento do que deverá se transformar no golpe final da nova vida nascida do desejo que se desenhou em ensejo e que não durou um lampejo. Trinta anos depois da chegada da Rio-Santos reinicia-se a implantação de um imenso loteamento no Ubatumirim, xerocando o que vemos hoje na praia Grande de Ubatuba.

Repete-se o aceno de riquezas e prosperidade. Trinta anos depois podemos constatar os estragos que a estrada causou. Quem de nós irá medir os estragos que a iminente ocupação, tão legal quanto a estrada, provocará? Até quando continuaremos a permitir o interesse de poucos em detrimento ao desenvolvimento de uma comunidade?


Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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