O sucesso arrebatador de Tropa de Elite 2 não poderia vir em melhor hora. Estamos à beira do segundo turno das eleições presidenciais, numa campanha pautada por acusações de lá e de cá, pelo esvaziamento programático e por uma gritante inexistência de uma Agenda Brasil. O filme de Padilha faz um zoom-out da situação política brasileira, da violência dos morros cariocas à corrupção generalizada no planalto central, que atinge todos os partidos, facções ideológicas, sindicatos, ONGs, grupos de interesse. O “sistema” envolve, corrompe e despeja todos na vala comum da corrupção e da apatia política. A trama é moral. A fragilidade da vida pessoal do coronel Nascimento (muito bem interpretado por Wagner Moura), a família, a relação com o filho, é entrelaçada no enredo com a sua ascensão ao poder (e sua efemeridade característica). Suas escolhas como sub-secretário de segurança pública do Rio colocam em xeque sua ética, sua visão de mundo, suas convicções técnicas e ideológicas. A vulnerabilidade da população miserável fica evidente diante dos privilégios e interesses de poucos. Os meios de dominação e os grupos de poder se revezam, mas a miséria continua. Sobretudo a miséria cultural, política e educacional, já desvinculadas da miséria econômica: um fenômeno das sociedades videocráticas contemporâneas muito bem retratado pelo diretor José Padilha. Difícil encontrar o fio da meada desse Brasil perdido entre esquerda e direita, direitos humanos e impunidade, PSDB e PT. A mídia vendida, o funcionalismo público corrupto, a falta de perspectiva, a educação paupérrima, a troca de votos por um prato de comida e uma roda de samba. Tropa de Elite 2 mostra o rastro dos sistemas de poder estabelecidos, faz pensar. Com coragem e coerência. Se no Tropa 1, Padilha aponta o dedo para a classe média viciada em maconha e cocaína, que financia o tráfico, dessa vez ele aponta para toda a sociedade, para todos que ajudam a abastecer o tal “sistema”. Nos acomodamos a ele e permitimos, sem qualquer indignação, que a nossa vida seja definida por uma não-agenda, pelo bate-boca rasteiro e pela disputa do menos pior, do menos ético. O segundo produto da franquia Tropa de Elite é uma produção independente, que reúne elementos de linguagem de cinemão hollywoodiano, mas com o sotaque brasileiro, de Babenco a Meirelles. Seu modelo de negócios é arrojado. Abriu mão das distribuidoras americanas que dominam o mercado nacional de cinema, para investir numa distribuição “por conta da casa”, ocupando mais de 600 salas de cinema em todo o país e batendo todos os recordes de público e arrecadação desde a retomada (hoje o filme deve alcançar 3 milhões de espectadores). Mas não conseguiu abrir mão da Globo Filmes, que monopoliza o imaginário audiovisual brasileiro, na telinha e na telona, com ou sem o apoio das majors. Há muito tempo as telas de cinema não foram tão ocupadas por filmes nacionais como hoje. “Nosso Lar”, outro fenômeno da telona, investe em temáticas e modelos de financiamento diferenciados e que podem apontar o futuro do financiamento à indústria cultural brasileira, oferecendo um respiro à dominação católico-evangélica que assola a mídia e, cinicamente, dá o tom da política no segundo turno. Vá ao cinema, financie Tropa de Elite 2 assim como você financia o cinema norte-americano. E escolha o seu próprio inimigo, pois eu já escolhi o meu!
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