A nova definição de família, segundo a legislação brasileira, está na Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que redefine família como "a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa" (art. 5°, II). E acrescenta: "As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual" (art. 5°, parágrafo único). Os operadores da lei já estão, portanto, bem atualizados nesta questão. Por este e por vários outros reajustamentos feitos na linha do tempo, as novas configurações familiares, ao contrário de significar a falência destas, revelam seu vigor, uma vez que permitem a reinvenção permanente de seus padrões de funcionamento e, ainda assim, continuam a serem famílias. Um bom exemplo dessas demandas é aquele oferecido pelos homossexuais, que vêm reivindicando legitimidade para a constituição de núcleos familiares nos quais possam exercer o direito de conceber ou adotar filhos e experienciar, como sujeitos, a continuidade de si, por meio de um outro (o filho). Todas essas mudanças, reafirmam o caráter dinâmico do grupo familiar. Suas permanentes transformações trazem novos padrões de funcionamento e de criação, pelos sujeitos, de novos núcleos relacionais, bastante distintos daqueles marcados pela hegemonia patriarcal e do modelo tradicional de família nuclear (um homem, uma mulher, casados legalmente, e os filhos destes). Na prática de pesquisa, e no cotidiano da clínica, verificamos que a multiplicidade de modalidades de família surgidas ao longo do tempo está fundada em nuances muito singulares. Esse panorama exige uma boa dose de flexibilidade de quem pretende compreender suas dinâmicas de relações, de modo a assegurar que posições preconcebidas ou preconceituosas não prejudiquem a compreensão dos distintos laços que sustentam nossas famílias, desde a época da colonização. Assim, as mudanças têm passado tanto pela estrutura como pelas diferentes formas de organização familiar. Hoje as transformações são muito significativas na relação e inter-relação família-indivíduo-sociedade, independente das formas de organização familiares existentes e dos nomes que atribuirmos a esse grupo: família nuclear, família monoparental, família homoparental, família reconstituída, família tabuleiro e tantos outros apelidos que surgem para tentar nomear toda e qualquer forma de organização que difere daquela do imaginário social, qual seja: a família nuclear. Qualquer que seja sua constituição e organização, o trabalho na clínica e os resultados de pesquisas revelam que os elementos importantes para que uma família/casal propicie espaço construtivo é o exercício de sua função e de seu papel de proteção dos filhos, da manutenção dos cuidados básicos e, essencialmente, ensinar a vida, no significado mais amplo da palavra educar (*). Quando ouvimos a expressão “ah... aquela pessoa vem de uma família desestruturada”, vale a pena nos perguntarmos se a referência feita diz respeito, realmente, quanto à estrutura e forma de organização daquela família ou se o que está subentendido nesta frase é uma tentativa de dizer que esta família, seja lá qual for sua configuração, não está dando conta de exercitar, efetivamente, seus papéis e funções. E é bom lembrar também: os estudos indicam que essas funções só se dão a pleno quando os cuidadores (família/casal) tem um funcionamento intersubjetivo onde haja um sentido para o "estar junto". Caso contrário, estarão precisando de ajuda. (*) Nota - quando me refiro ao significado mais amplo da palavra educar, não há qualquer associação com grau de instrução formal (escolar) e sim tomo como referência a origem etimológica deste termo, qual seja: ’educar’ vem do latim educare, por sua vez ligado a educere, verbo composto do prefixo ex(fora) + ducere (conduzir, levar), e significa literalmente ’conduzir para fora’, ou seja, preparar o indivíduo para o mundo.
Nota do Editor: Marlene Waideman, residente em Ubatuba, é psicóloga, com formação clínica, Profa. e Dra. com experiência acadêmica e pesquisadora com enfoque na família.
|