As notícias de policiais que espancam, torturam, matam e ainda tentam dissimular o crime, divulgadas com todo o vigor que o tema sugere, não deveriam ocorrer, mas felizmente constituem a exceção. Pela própria natureza, as informações negativas têm repercussão múltiplas vezes maior do que as positivas. Quando o policial ou qualquer outro profissional erra, ele próprio vira “caso de polícia”; mas quando faz o certo, não é notícia pois, afinal, apenas cumpriu sua obrigação. Isso ocorre com os policiais, médicos, motoristas, professores e até os políticos. Só aquele que “pisou na bola” vira notícia. No entanto, seria impossível a sociedade viver sem o trabalho daqueles que fazem tudo certo e não são citados. Imaginem o que seria uma cidade sem polícia! Todos nós, policiais militares, sabemos que os regulamentos disciplinares são rigorosos. E que a justiça militar, apesar de vista como um privilégio por aqueles que não a conhecem a fundo, é mais inflexível com os seus réus do que a justiça comum. Qualquer policial indiciado, se pudesse, optaria pelo julgamento comum, não o militar. Com quase 180 anos de existência e fundada nos princípios de segurança pública praticados na França desde a Idade Média, a PM paulista, assim como suas similares dos demais Estados, tem por objetivo a proteção à comunidade. Durante sua existência foi se adaptando às necessidades de cada momento e teve várias denominações mas, como instituição, nunca deixou seus objetivos de servir. Tudo o que se faz em desacordo com os propósitos de promover a segurança é indevido e requer muito estudo, reflexão e, logicamente, as devidas reparações. Ocorreram momentos em que o próprio Estado usou indevidamente homens e recursos das polícias, maculando a imagem das instituições. Mas isso, felizmente, já é passado. Hoje, no entanto, temos uma nova problemática cuja solução também depende do Estado, mais propriamente do governo: a das condições de trabalho e salário. Nada justifica o policial agir fora das obrigações constitucionais ou usar o mesmo método revanchista dos criminosos. Mas há que se considerar que, apesar da propaganda oficial e até dos esforços dos comandos para bem aplicar os recursos disponíveis, há pelo menos duas décadas os governos têm feito investimentos abaixo das necessidades do setor. Policiais trabalham com salário insuficiente para viver e cuidar de sua família normalmente. Um exemplo disso é o numero deles – civis e militares – de todos os níveis que, em razão dos baixos ganhos, para não enveredarem para a corrupção, trabalham no proibido “bico”. E o governo sabe, faz vistas grossas e – o pior – ainda tenta legalizar o ilegal. O trabalho policial é de alta periculosidade e exige decisões repentinas onde o erro ou o acerto representam a diferença entre a vida e a morte própria ou de terceiros. Como obter isso de alguém endividado, cansado da jornada no “bico” ou até envolvido em corrupção? Não há regulamento disciplinar capaz disso. Em casa onde não há pão, todo mundo grita e ninguém tem razão... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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