A carta
Querido amigo e prefeito Eduardo Cesar. Permita-me – com todo o respeito – chamá-lo de você. Possivelmente os fatos que eu irei relatar nunca chegariam ao seu conhecimento. Como mãe e cidadã ubatubense, 74 anos, trago ao seu conhecimento como é tratado o povo desta cidade, quando o assunto é saúde pública. O meu coração de mãe está partido, pela perda de meu filho querido Maurício Mungioli, aos 46 anos de idade. Maurício, que morava em Ubatuba desde 2001, era professor, idealista e deu o melhor de si para a educação dos jovens do nosso município, que tanto respeitava e amava. Infelizmente, na segunda-feira, dia 8 de fevereiro, meu filho sentiu-se mal, sendo encaminhado por amigos, para a nossa Santa Casa. Após várias horas de espera, foi chamado para a triagem e, depois de muito esperar, finalmente encaminhado para a sala do soro, pois o diagnóstico dado no plantão apontava para “mais um caso de virose”. Realmente, estamos com um surto de virose que acometeu a população de nossa cidade. Nós vivemos, como você sabe, nos surtos das viroses, só que temos que esconder para não espantar os turistas. A cronologia de uma morte que poderia ter sido evitada 1º Dia: Diagnóstico de virose, sendo medicado com soro. 2º Dia: Queixando-se de fortes dores de cabeça, na nuca e na região frontal, na linha dos olhos, retornou à Santa Casa. Novamente, a mesma via crucis. Após longa espera, e dos nossos insistentes pedidos para sermos atendidos por um médico especialista, fomos novamente encaminhados para a sala de triagem e novamente para o soro. Apesar dos sintomas acima descritos terem sido relatados aos plantonistas que atenderam meu filho, a resposta foi de que os sintomas – provavelmente – fossem reflexos da virose. Pedi - no meu desespero de mãe - que meu filho fosse encaminhado a um médico especialista, não tendo sido atendida, numa situação onde ficou clara a desconfiança, a falta de humanidade e o pouco caso com aquela situação, que chegava a nos levar às raias do desespero. Na minha ignorância, pensei tratar-se de um problema cardíaco. Procuramos um cardiologista, que nada constatou. Foi-nos sugerido que marcássemos uma consulta com um neurologista, o que foi tentado por mim, junto ao Dr. Valdir, no consultório dele, porém sem resultado, pois ele estava viajando. 3º Dia: Após passarmos toda a noite no soro da virose, onde Mauricio reclamou durante toda a noite das fortes dores que o afligiam na cabeça, por volta das 06h40, meu filho foi liberado para deixar o hospital, sem nenhum atendimento prestado por um médico especialista. Procurei o Dr. Juscelino e solicitei a ele que me ajudasse, pois meu filho estava desmaiando, perdendo a memória recente e as dores, na nuca e nos olhos, estavam ainda mais fortes. Foi o amigo Dr. Juscelino, que prontamente entendeu a minha aflição de mãe e prontificou-se a ajudar-me, procurando fazer com que o Maurício fosse atendido pelo Dr. Pozzo e pelo Dr. Valdir (numa deferência especial, após autorização concedida pelo Dr. Pozzo, vez que o Dr. Valdir (neurologista) não pertence aos quadros da Santa Casa). Retornamos então para a Santa Casa, para uma consulta marcada com o Dr. Pozzo, às 10h00 do mesmo dia (11/02), tendo o mesmo solicitado que fossemos para a sala de triagem, para medição de pressão e temperatura. O meu filho, nesta altura, estava totalmente transtornado pelas fortes dores que sentia na cabeça. Informei a gravidade da situação para a atendente que, numa atitude de total pouco caso, deixou-nos aguardando, dizendo que aguardássemos a nossa vez. Aqui, há muito mais a dizer, mas seria apenas a minha palavra de mãe, por isso, deixarei por conta da Justiça Divina... Mauricio já estava totalmente desesperado pelas fortes dores, delirando e com dificuldades de comunicar-se. Desesperei-me e, só diante desta situação, conseguimos ser encaminhados para a consulta com o Dr. Pozzo, que o encaminhou para a sala de procedimentos. Durante esse atendimento, suspeitou-se de meningite virótica e meu filho foi submetido ao processo de retirada de liquor, para exame e avaliação. A seguir, ele foi encaminhado para uma sala de isolamento até que o resultado fosse conhecido. Nesse momento, foi deixado só, sem nenhum monitoramento. Desesperado, abriu a porta da sala de internação, completamente transtornado pela dor. Eu estava do lado de fora, colocando a máscara para entrar no isolamento, fui eu quem ajudei-o a voltar para a maca, colocando-o sobre a mesma. Nesse intervalo, Mauricio deu um grito de dor, retorceu-se e teve uma convulsão. Desesperada, pedi ao pessoal da enfermagem para que localizasse o Dr. Pozzo, para que ele retornasse para ver o meu filho. Mesmo diante de tão grave quadro, veio a atendente, com um aparelho de medição de pressão nas mãos. Só após verificar que o quadro era totalmente desesperador, foi atrás do Dr. Pozzo, que constatou a convulsão, determinando o retorno de meu filho para a sala de procedimentos. Foi então que - a Santa Casa - se percebeu realmente havia a necessidade de avaliação de um médico neurologista, o que foi feito pelo Dr. Valdir (após autorização do Dr. Pozzo), que solicitou a realização de uma tomografia computadorizada. Dentro deste quadro de desespero, mais problemas: agendar o exame com urgência e conseguir uma ambulância que levasse o meu filho até a clínica Imagem, no trajeto da rua Conceição até a rua Maranhão. Após insistentes pedidos e diante da gravidade do caso, conseguimos que o exame fosse agendado para o mesmo dia. Nessa altura, Mauricio já necessitava de cuidados intensivos, pois encontrava-se em coma induzido e o transporte só poderia ser feito por uma ambulância UTI e nós não contamos com tal equipamento no município. Foi necessário que se juntasse equipamentos para a montagem de uma estrutura mínima de suporte à vida para levá-lo para a Clínica. Realizado o exame, houve uma longa espera pelo laudo, onde foi constatado que meu filho encontrava-se com uma hemorragia craniana, com suspeita de aneurisma, precisando de uma investigação mais profunda e, talvez, de uma neurocirurgia. Foi encaminhado para a UT, sendo atendido pelo Dr. Alexandre, que nos colocou a par da difícil situação. Recomendou que, por falta de uma UTI especializada, Mauricio fosse transferido para um hospital da região, em Taubaté, São José ou Jacaréi. Começou então a luta para conseguir um leito de UTI. Recebemos a solidariedade da Dr. Valdir, da Srª Mariza (da Cooperativa), da Nalva, e outros amigos que se empenhavam em conseguir um leito num destes hospitais, para os procedimentos urgentes possíveis. Após horas intermináveis, conseguimos um “leito zero” no Hospital Regional do Vale do Paraíba, em Taubaté. Começava outra batalha, conseguir uma ambulância UTI, visto que nossa cidade não possui tão importante recurso. Foi-nos indicado, pela própria Santa Casa, os serviços da empresa FENIX Remoções, de Caraguá, que nos cobrou R$ 3.200,00, para efetuar a transferência do Maurício. Saímos de Ubatuba, às 21h30, numa longa viagem até chegarmos a Taubaté às 00h00 do dia 12/02. Após a transferência para o leito zero, foi feita uma avaliação pelos intensivistas de plantão, foi constatado o grave comprometimento das atividades cerebrais, confirmando o diagnóstico dado pelo Dr. Alexandre, após a tomografia realizada em Ubatuba. Amigo Eduardo, tudo isso começou no dia 08 de fevereiro e já estávamos no dia 12. E eu lembrava do tempo perdido com o “soro da virose”, da falta de interesse demonstrada pelos médicos que, em nenhum momento levantaram de suas cadeiras ou tiraram os olhos dos prontuários. Das pessoas que não tiveram um gesto sequer de solidariedade, de ouvir os apelos de uma mãe aflita, que teve que ouvir que “seu filho estava nervoso”, diante dos gritos de desespero, da dor que ele sentia. Meu filho Mauricio, posso lhe assegurar, nunca foi nervoso. Ele adorava viver e estava em um momento de auge criativo e intelectual. Meu filho motivava jovens, plantava sementes do bem, lutava para dar o melhor caminho possível e formar cidadãos melhores. Todos os que o conheceram sabem disso. Pois é, caro amigo... Depois de passar por tudo isso, meu filho teve a morte cerebral diagnosticada na manhã do sábado, dia 13. Seis dias depois do diagnóstico de virose... A causa da morte: hemorragia cerebral subaracnóide, aneurisma intra craniano. Meu filho tinha 46 anos e deixou um filho pequeno, de quatro anos. Ele era cheio de vida, de amigos, de planos. E tinha uma boa saúde, pois pudemos doar os seus órgãos vitais, de forma que a morte dele pudesse dar oportunidade de vida a outros (o que muito nos conforta). Quero aproveitar para agradecer aos amigos e aos alunos de meu filho, que tanta força me deram. A todos os amigos que agilizaram os procedimentos para a vinda da ambulância e a internação na UTI em Taubaté, pela solidariedade humana. Agradeço, especialmente, a amizade e o carinho do professor Euri, amigo e companheiro em todos estes terríveis momentos. Para finalizar, amigo Eduardo, peço para que você olhe melhor pela nossa saúde, pelos seus munícipes que – como eu – necessitam de um prefeito mais presente. Não adianta apenas mostrar ambulâncias, ônibus e viaturas no calçadão e desfile dos mesmos pela cidade. São necessárias ações que nos encham de orgulho. Temos direito à dignidade. Chega de respostas prontas, culpando “surtos viróticos” a tudo o que acontece, sem uma investigação mais profunda das causas e de possíveis defeitos. De qualquer forma, cabe aqui um agradecimento ao Dr. Juscelino, ao Dr. Pozzo, ao Dr. Valdir e à Drª Marcia, que puderam entender a minha dor e atender meu filho, mesmo que tardiamente. Para finalizar, meu amigo Eduardo, saiba que meu filho MAURÍCIO MUNGIOLI fez a diferença nesta cidade, pois por ser um educador. deixou semeado bons frutos (meu neto Francisco, de apenas 04 anos, ubatubense, e nos seus inúmeros alunos), que certamente, frutificarão e tratarão esta nossa cidade com mais carinho, respeito e dignidade. Zelma Landi
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