A ousadia está de volta! No mês passado, a Prefeitura Municipal de São Paulo anunciou a execução de um túnel ligando a Avenida Jornalista Roberto Marinho à Rodovia dos Imigrantes. Mais uma obra viária exigida pelo trânsito caótico da cidade. Seria corriqueiro, não fosse o ineditismo da intenção do projeto. A via expressa a ser construída vai ser enterrada para permitir um generoso parque de superfície. Esta é a grande novidade e, sobretudo, a grande esperança. O automóvel deixa de ser o rei absoluto desta cidade para ceder lugar às pessoas. Parece simples e óbvio, mas de fato trata-se de uma violenta modificação na forma de se ver a cidade. Ou seja, de enxergar que ela é dos cidadãos. É preciso que voltemos nosso olhar para a cidade que recebemos de nossos antepassados e identifiquemos o que de bom foi feito, e que perdemos nessa miragem do progresso equivocado, para que possamos recuperar São Paulo para uso e fruição de seus habitantes e não de suas máquinas. Não faz sentido insistir na construção de uma cidade em que o automóvel continue a nos roubar os poucos espaços abertos que temos e a impedir o surgimento de outros. Onde está o nosso Parque D. Pedro com o seu Rio Tamanduateí e a sua Ilha dos Amores? Onde foram parar a nossa Praça Roosevelt e seus memoráveis comícios, os generosos canteiros centrais da Avenida Rebouças, da Avenida São Luiz e tantos outros? E a nossa Praça das Bandeiras, quem consegue vê-la? Sem falar nos nossos rios Tietê e Pinheiros, que deixamos os automóveis roubá-los de nós. Como arquiteto e urbanista, tenho a firme convicção de que os nossos rios são a nossa grande e maior esperança de um melhor viver em São Paulo. Eles podem nos devolver o que foi perdido e nos oferecer o que precisamos e merecemos. Vamos retomá-los! É absolutamente necessário e urgente que o mesmo olhar que conseguiu ver um parque na Água Espraiada volte suas vistas para as margens e o entorno desse fantástico parque fluvial com que fomos presenteados pela natureza e que até hoje não conseguimos enxergar. A população paulistana, que fez valer a Lei Cidade Limpa, tem força e coragem para reconquistar seus rios. Tem também visão para abraçar essa luta e oferecer às novas gerações uma cidade maravilhosa e renovada, que já estava aqui, apenas tínhamos perdido a capacidade de ver. Nota do Editor: José Eduardo Tibiriçá é arquiteto urbanista, vice-presidente da AsBEA - Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura.
|