Durante uma sessão solene em homenagem aos 200 anos de nascimento de Allan Kardec, um deputado pela Bahia fez um pronunciamento incorporado por um espírito com similaridades ao Chico Xavier. Apesar dessa manifestação mediúnica ter sido filmada, muitas pessoas insistem na descrença, pessoalmente posso comprovar que este tipo de fenômeno é mais comum do que podemos imaginar, pois venho estudando o assunto há um bom tempo. Quando foi votado o tombamento do sobradão, tivemos um vereador que votou a favor, alegando que já havia passado a hora de demolir aquela velharia. Virou piada. Ninguém atentou ao fato de que na verdade, o referido edil estava incorporado pelo espírito de D. Pedro I, que numa das escapadelas esqueceu uma prova do crime e que só a completa demolição haveria de ocultar. Deu um trabalho danado doutrinar o espírito do D. Pedro para que entendesse que o nosso, era outro casarão. Isso foi em 1968 e desde aquela época venho estudando este tipo de manifestação nos nobres legisladores. Por isso não estranho quando um vereador faz alguma coisa que salta aos olhos exotéricos, pois sempre existe uma explicação esotérica para a questão. Por exemplo, quando um vereador usa todo o aparato sustentado pelo dinheiro público para passar quatro anos calado, sem falar nada, sem fazer nada além de receber o salário no final de cada mês, ele esta comprovadamente incorporado pelo espírito do Mauá, um cacique que viveu por estas bandas, foi professor de preguiça do Macunaíma, falava igual ao "Seu Creison" e que vivia perguntando: há Mauníssio? Outro exemplo, quando um vereador não faz nada além de pedir luminárias, telefones públicos e dar nomes a ruas e loteamentos clandestinos, também é o espírito de outro chefe indígena que vivia de trambiques e que se chamava H. H era o maior H, e vivia se vangloriando que quebrava qualquer galho, tanto que era comum, quando estavam em apuros, os índios falarem: "H resolve, chama H". Aquele vereador que passa um mandato inteirinho falando sim para o prefeito, na verdade está incorporado pelo espírito de um ibérico que foi banido da sua terra natal, por que ao contrário do seu povo falava sim o tempo todo. Chamava-se El Çamuo, que em Ubatuba de antigamente ficou conhecido como Çamuo, el señor del sim. Quando o ilegal assume proporções insuportáveis porque ninguém fez nada para evitar, e os vereadores se juntam para criar uma lei para legalizar o ilegal, aí eles incorporam o espírito de um animal mamífero da ordem dos artiodáctilos, não ruminante, originário do javali que tem o hábito de chafurdar, que prefere a lama e a sujeira ao invés da cidade limpa e segura. Cuidado para não confundir com espírito de corpo, pois este se manifesta quando os vereadores esquecem as diferenças e se juntam para votarem o aumento do próprio salário. Em resumo, a manifestação de espíritos é mais comum do que imagina a nossa vã filosofia. Só nos resta rezar, para que à moda do Deputado baiano que diz incorporar muito mais do que ele nos apresentou, que os legisladores recém eleitos tenham variações de espírito melhores das que já estamos cansados de conviver.
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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