Quando morava em São Paulo a época das eleições não passava de um dever cívico. O voto obrigatório, a distância dos candidatos que a gente só conhecia nas campanhas pela televisão reduzia o exercício de cidadania a um simples dever cívico. Que era cumprido ou trocado por algum programa melhor. Nas eleições de 1982, Ubatuba era uma cidade pequena e havia a sublegenda que permitia que cada partido lançasse vários candidatos a prefeito. O PMDB havia lançado três candidatos que fui conhecendo a ponto de poder decidir em quem eu votaria. Senti-me no dever de avisar os outros dois candidatos sobre a escolha que eu levaria até a urna. Sofro até hoje o ressentimento de um dos candidatos preteridos naquela época. Essa sanha de levar as desavenças pessoais para o cargo alcançado é típica na política rasteira, o excesso de personalismo impede que muitos ocupantes de cargos eletivos atinjam o status de políticos, quiçá estadistas. Em 1987/88 tive a oportunidade de trabalhar e conviver com o Serra, Franco Montoro e Dona Lucy, Mario Covas e Ulisses Guimarães durante os trabalhos de elaboração da nossa atual constituição. Me atrevo a sentir um certo orgulho quando reconheço algum parágrafo que tive a oportunidade de elaborar e ver incluído no texto final. Digo atrevimento de minha parte porque numa reunião com Ulisses Guimarães ele se definiu como um simples catalisador do futuro dos nossos filhos, netos e bisnetos. Que no trabalho de Presidente da Assembléia Constituinte, Ulisses Guimarães não era nada. Imagine eu. Dona Lucy Montoro, em reunião com o nosso grupo de trabalho nos definiu como os catadores da cidadania por este Brasil afora, numa alegoria ao nosso trabalho de trazer até Brasília os anseios encontrados nos municípios e transformá-los em Carta Magna. Estávamos saindo de uma ditadura e começando a preparar os alicerces dessa democracia ainda incipiente que vivemos. Hoje me sinto menos que um catador. É impossível sentir orgulho num processo eleitoral como o que atualmente se desenrola em Ubatuba. Primeiro quando a cidade foi emporcalhada com bilhetinhos e cartas anônimas, ver pessoas tirando cópias e ajudando a distribuir como se isso não fosse crime também. A destruição e o vandalismo nos materiais de propaganda de alguns candidatos. A afronta à miséria do município com aquele imenso painel no trevo para Taubaté. A hostilidade entre as duas principais torcidas, tudo acontecendo nas madrugadas, no escuro da noite. A ostensiva demonstração de poder econômico como argumento para angariar votos. A censura que está se impondo com ameaças veladas e retaliações comerciais aos principais veículos de mídia eletrônica Litoral Virtual e UbaWeb. Tudo isso é temerário ao se imaginar que algum ditadorzinho travestido de moderno está pretendendo governar Ubatuba. F. D. Roosevelt perguntado se preferia um governo forte com uma imprensa fraca, respondeu que a verdadeira democracia se baseava justamente no contrário. Estamos a menos de uma semana para decidir como será a nossa vida nos próximos quatro anos. Vamos olhar para o futuro que desejamos para os nossos filhos. Podemos, todos, construir a democracia que tanto desejamos, começa na coragem e determinação de não se permitir a ascensão de ditadores ególatras.
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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