O Informe 2008 da Organização Mundial do Comércio (OMC), que antecedeu à fracassada tentativa de evitar a implosão da Rodada Doha, demonstra que a abertura dos mercados no contexto da globalização tem permitido a muitas nações obter benefícios do aporte tecnológico e desenvolver a economia de escala, produzindo de maneira mais eficaz. Observa-se incremento da produtividade e maior difusão do conhecimento e novas tecnologias. Tudo isso seria melhor ainda, não fosse um pequeno detalhe apontado pelo próprio relatório, denominado "O comércio mundial em um mundo em processo de globalização": numerosas são as pessoas, de distintos países, em todo o mundo, que têm desfrutado pouco ou nada desses benefícios. "Os desafios dos governos para administrar a globalização são formidáveis, e para que se estenda a prosperidade a camadas mais amplas das populações, requer-se decidida estratégia para o cumprimento de metas", acentua o estudo. Essa ressalva explica em grande parte o porquê de estar a um passo do fracasso, somando-se aos escombros da Rodada Doha, outro acordo muito importante no contexto das Nações Unidas: os Objetivos do Milênio, firmados em 2000 por 191 países-membros da ONU. Como se sabe, trata-se de pacto quanto à sustentabilidade do Planeta, abrangendo inclusão social, educação, saúde, qualidade de vida e melhoria do meio ambiente. Já se passaram oito anos desde a assinatura do tratado, do qual o Brasil é signatário, e as estatísticas mais atualizadas são o prenúncio de mais uma frustrada tentativa de vencer as agruras do subdesenvolvimento às quais são submetidos milhões de indivíduos, principalmente nas nações subdesenvolvidas e nas emergentes. Sem otimismo irresponsável, é possível, contudo, melhorar os processos de inclusão social e os indicadores de qualidade da vida, por meio de políticas públicas eficazes. E isto, por mais que empresas e o Terceiro Setor possam e devam participar, é responsabilidade inalienável do Estado, nas instâncias municipal, estadual e federal. O próprio relatório da OMC salienta o papel a ser desempenhado pelos governos, que continua crucial, a despeito da tendência "going private" da globalização. Tal constatação é referendada, com números irrefutáveis, por dois estudos que acabam de ser divulgados no Brasil: o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, com base em dados de 2000 e 2005; e o relatório de Mortalidade Infantil 2007 no Estado de São Paulo, da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados). Ambos os trabalhos também evidenciam um conceito óbvio, há muito praticado por nações ricas, mas teimosamente ignorado no Brasil e em grande parte do mundo não-desenvolvido: as pessoas, a despeito de sua nacionalidade, vivem numa unidade geopolítica denominada "município". Portanto, é nessa instância do Estado que se torna mais viável solucionar os problemas da exclusão social e todas as suas conseqüências. Esta lógica deve expressar-se em termos práticos, como ocorre na maioria dos países mais prósperos, na divisão do bolo tributário, que deveria ser mais proporcional às responsabilidades do poder público municipal. Esse desequilíbrio, entretanto, não justifica omissão e desrespeito aos princípios básicos da governança pública, que incluem, necessariamente, a probidade na gestão dos recursos e a eficiência administrativa. A observância dessas duas premissas, que deveria ser obrigação e não diferencial, está expressa nos estudos da Firjan e do Seade. No primeiro, que estabelece "emprego/renda", "educação" e "saúde" como parâmetros de desenvolvimento, há municípios com performance similar à de nações desenvolvidas. O mesmo aplica-se ao trabalho da Fundação Seade, no qual há cidades com estatísticas de mortalidade infantil também próximas do primeiro mundo. É interessante notar que alguns municípios apresentam posições muito positivas nos dois estudos. É o caso de Indaiatuba, São Caetano do Sul, Jaguariúna, Barueri e Santana de Parnaíba, os cinco com melhor índice de desenvolvimento em todo o Brasil, conforme o trabalho da Firjan. Todos têm bons indicadores no tocante à mortalidade infantil, a exemplo de Santana de Parnaíba, segunda menor taxa da Grande São Paulo, e São Caetano do Sul, terceiro melhor na região. A análise de todos esses dados permite concluir que a gestão pública municipal eficaz é o grande atalho para o cumprimento dos Objetivos do Milênio. Assim, é imprescindível considerar essa questão no trâmite do projeto de reforma tributária no Congresso Nacional, da mesma forma que cabe à sociedade cobrar cada vez mais eficácia dos gestores municipais. Afinal, essa é uma prerrogativa da sociedade e um dever dos que se submetem ao voto livre e soberano dos cidadãos. Nota do Editor: Benedito Fernandes é o prefeito de Santana de Parnaíba (SP).
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