No carro dirigindo-se ao trabalho, "ele" pensava preocupado no rumo que a sua vida havia tomado. Há algum tempo levava uma vida sem graça. Tinha uma família saudável e equilibrada. Profissionalmente estava muito bem, o que possibilitava uma vida confortável à família. Seus filhos eram crianças alegres e normais. De Santa, sua mulher, não podia reclamar. Ela era a própria perfeição. Bonita, educada, boa mãe, inteligente, dedicada e fiel. A paixão dos primeiros tempos não existia mais, se é que existiu, mas "ele" se sentia bem com ela, que parecia bem adaptada àquela vida. Parecia um quadro ideal, mas para ele faltava alguma coisa. Sentia necessidade de algo novo que viesse a dar novas cores à sua vida. Foi nesse período que começou a desejar outras mulheres. A primeira escapulida foi em um congresso de Direito Constitucional, quando dormiu com uma colega de outro estado. Sobrou-lhe uma sensação de liberdade e um pouco de culpa, que ele resolveu na joalheria do próprio hotel, quando comprou a primeira jóia daquela coleção. Estava tudo bem, mas ele queria mais. Sexo avulso não estava lhe satisfazendo. Nessa altura conheceu Inês, a nova secretária do escritório. Claro que a primeira coisa que percebeu foi a beleza e a sensualidade contida da moça. Depois percebeu sua carência, conheceu suas decepções amorosas e partiu para a conquista. Era o prato ideal. Com ela não seria só sexo, pois ela era uma pessoa educada e bem-instruída. O melhor de tudo era a cama, onde ele ousava e ela gostava. A seu favor também tinha a carência de Inês, que ao se apaixonar não queria perdê-lo. E foram maravilhosos aqueles meses de paixão ardente. Ele confessava a sua paixão, jurava que ela era a mulher da vida dele e que o fim do casamento era questão de tempo. Mas e agora? A coisa se complicara. Inês cobrava a sua presença. Santa já começava a desconfiar de suas escapadas e se não reclamava, sentia, pois o seu olhar não era mais o mesmo e "ele" se sentia culpado. Não queria abrir mão da vida equilibrada que tinha em casa. Nunca quisera. Porém, não queria perder Inês, que se sacrificara por ele. Já havia usado todos os artifícios possíveis para conciliar as duas mulheres na sua vida, mas previa que teria que tomar uma decisão brevemente. Chegando ao escritório já olhou Inês com ar de saudade. Chamou-a para uma conversa no almoço, onde explicou que teriam que se afastar, pois sua mulher estava desconfiada e sofrendo muito, assim como os filhos. Inês sentiu o golpe e quase chorou ali mesmo. No carro ela não agüentou e lhe disse poucas e boas. "Ele" a calou com um beijo. Seguiram para o apartamento dela e fizeram amor a tarde inteira. "Ele" sabia que era uma despedida. Ela não. Chegando em casa, foi questionado pela mulher e fez sua confissão arrependida. Jurou que terminara tudo e chorou abraçado com Santa, que nunca mais confiou nele e descobriu o que lhe faltara por tanto tempo: a paixão que "ele" nunca teve por ela. Quanto a Inês foi chamada pelo sócio e amigo do ex-amante para uma conversa. Então ficou sabendo que "Ele” viajara para a Europa com a família para terminar um doutorado e que só voltaria em dois anos. Foi assim que Inês recebeu a pior notícia de sua vida. Amara um mentiroso. Um Dom Juan como tantos que ela conhecera e evitara. Estava só e naquele momento queria desaparecer. Saiu da sala como se tivessem lhe dito que o sol nunca mais nasceria. As lágrimas escorriam pelo rosto e ela não se incomodava em esconder. Não se voltou para trás; se o tivesse feito veria o olhar de cobiça do seu interlocutor, que não estava muito comovido com a sua dor. Na poltrona do avião, Santa pensava na sua ingenuidade e no canalha que ela amara por tanto tempo. Os óculos escuros escondiam sua mágoa que um dia emergiria, era questão de tempo. "Ele" sentado ao lado, comemorava sua pequena vitória. Salvara seu casamento e sua família. Teria saudade dos beijos e do prazer que Inês lhe proporcionara por tanto tempo, mas quem sabe ela o esperaria e ainda poderiam se ver de vez em quando? Não pensou na decepção que havia causado, nem do drama que a outra vivia. Estava salvo, pensava ele, na ilusão proporcionada pela primeira batalha ganha. Nota do Editor: Evelyne Furtado é jornalista, poetisa e cronista em Natal (RN).
|