De cada cem pessoas que moram na rua, 71 trabalham e 52 têm pelo menos um parente na cidade onde vivem. A atividade mais freqüente é a coleta de material reciclável e uma significativa parcela considera boa a relação com seus familiares. O trabalho e o vínculo familiar são aspectos que compõem a primeira Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Os resultados foram divulgados na terça-feira (29/04), em Brasília. A pesquisa, executada em outubro de 2007, envolveu 71 municípios (23 capitais e 48 cidades com mais de 300 mil habitantes). O levantamento identificou 31.992 pessoas com 18 anos ou mais de idade em situação de rua, o que equivale a 0,061% da população destas localidades. Do total, 72% afirmam que exercem alguma atividade remunerada. A maior parcela (28%) é catadora de materiais recicláveis. A atuação como "flanelinha", carregador, na construção civil e no setor de limpeza são outros tipos de trabalho mais freqüentes citados por este público. No levantamento, não foram incluídas três capitais que realizaram pesquisas semelhantes recentemente: São Paulo (SP), com 10.399 pessoas em situação de rua; Recife (PE), 1.390; e Belo Horizonte (MG), 916. Pelo mesmo motivo, Porto Alegre (RS) também não participou da pesquisa, mas o MDS ainda não teve acesso aos dados. Profissão - Os dados revelam que a população de rua não é composta por "mendigos" e "pedintes". De acordo com a pesquisa, apenas 16% dessas pessoas pedem dinheiro para sobreviver. Além disso, 59% afirmaram ter profissão, principalmente relacionada à construção civil, ao comércio, ao trabalho doméstico e ao serviço de mecânica. Dos entrevistados, 48% disseram que nunca tiveram a carteira de trabalho assinada. Quanto aos vínculos familiares, o estudo também traz uma surpreendente informação: 52% dos entrevistados declararam que têm algum parente na cidade onde vivem. Destes, 34% mantêm contatos freqüentes com a família e 39% classificam como boa essa relação. Foi detectado também que 46% sempre viveram no município em que moram atualmente. Outro dado relevante verificado pela pesquisa é a posse de documentação. Dos entrevistados, 75% têm pelo menos um documento, sendo que a maioria (59%) porta carteira de identidade. Grande parte, 88,5%, não é atendida por programas governamentais. A aposentadoria, o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) atingem, no máximo, pouco mais de 3% desta população. Durante a divulgação, a ministra interina do Desenvolvimento Social, Arlete Sampaio, anunciou que o governo federal definiu uma política nacional de inclusão das pessoas em situação de rua e também afirmou que já existe uma série de ações voltadas para essa população, como os investimentos na geração de trabalho e renda aos catadores de material reciclável. "Vamos adequar nossas ações a essa realidade apresentada pela pesquisa, inclusive com a retirada das ruas daqueles em que é possível, e criar mecanismos de assistência para aqueles que não têm condições de sair das ruas", esclareceu. A secretária nacional de Assistência Social do MDS, Ana Lígia Gomes, explicou que essa é a primeira iniciativa nacional de identificação dos problemas e das dificuldades da população que vive em situação de rua. "Com base nos resultados da pesquisa, pretendemos aprimorar a proposta de política nacional voltada para esse público, articulando ações juntamente com outros ministérios", disse Ana Lígia. Ela informou que o Ministério já investiu R$ 8,2 milhões em projetos de inclusão produtiva, além de repasse de R$ 1,6 milhão a municípios para atender essa população e estruturação de abrigos. Mais homens e alfabetizados - O levantamento identificou uma predominância masculina (82%) entre as pessoas que vivem na rua. A maior parte, 53%, entre 25 e 44 anos, sendo que 30% se declararam negros, índice bem acima da média nacional, que é de 6,2%. Já o percentual dos que se consideram brancos é de 29,5% (54% entre o conjunto dos brasileiros). Em relação à freqüência à escola, o levantamento mostra que 95% não estudam atualmente. Do universo pesquisado, 74% sabem ler e escrever, mas 63,5% não concluíram o ensino fundamental. A renda, na maioria dos casos, varia de R$ 20 a R$ 80 semanais. Os problemas causados pelo alcoolismo e as drogas são apontados por 35,5% dos entrevistados como o principal motivo para passar a viver na rua. O desemprego, com 30% das citações, e os conflitos familiares, com 29%, compõem o quadro de razões que os levam a viver nas ruas. Dos pesquisados, 70% costumam dormir na rua e 22% em albergues, mas 46,5% preferem passar a noite na rua, principalmente por causa da liberdade, e 44% manifestaram preferência pela instituição, por temer a violência. Quase metade (48%) dos entrevistados que participaram do levantamento está há mais de dois anos dormindo na rua ou em albergue. Alimentação - Segundo os resultados da pesquisa, 80% das pessoas em situação de rua fazem pelo menos uma refeição por dia, sendo que 27% utilizam o próprio dinheiro para comprar comida. Em relação às condições de saúde, 30% afirmaram ter algum problema, como hipertensão, distúrbio mental e Aids; e 19% fazem uso de medicamentos. Os principais locais para higiene são a própria rua (33%), os albergues (31%) e os banheiros públicos (14%). Estes também são os lugares mais utilizados para fazer as necessidades fisiológicas. Sobre discriminação, as principais queixas se referem a entrar em estabelecimentos comerciais e transporte coletivo. A aplicação da pesquisa foi uma das decisões do I Encontro Nacional sobre População em Situação de Rua, promovido em 2005. O MDS investiu R$ 1,5 milhão neste levantamento, feito pela Meta Instituto de Pesquisas de Opinião Ltda - empresa contratada por meio de licitação.
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