Venenos, líquidos tóxicos, instrumentos perfurantes e a ação de parteiras, métodos utilizados para realizar abortos no país até a década de 80, foram substituídos nos últimos 20 anos pelo uso do medicamento de venda controlada misoprostol, conhecido como Cytotec. Indicado para problemas gástricos, a substância capaz de interromper a gestação foi usada por até 84% das mulheres que fizeram abortos no país de 1997 a 2007. Na década de 80, medicamentos eram usados como métodos abortivos apenas entre 10 e 15% dos casos. As informações fazem parte do Relatório Aborto e Saúde Pública no Brasil, elaborado por pesquisadores da Universidade de Brasília (UNB) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) com base em mais de 2 mil pesquisas sobre aborto no país publicadas nos últimos 20 anos. De acordo com antropóloga Débora Diniz, da Unb, embora o uso da substância tenha reduzido os riscos para a saúde das mulheres associados ao aborto, trouxe outros problemas. "Nos anos 80, tínhamos mulheres perdendo o útero e com processos infecciosos graves. Com a entrada do misoprostol, o período de internação e as seqüelas associadas ao aborto diminuem consideravelmente no cenário brasileiro. Mas a única experiência verdadeiramente segura para as mulheres praticarem o aborto seria uma lei que o autorizasse, porque todas as outras formas impõem uma série de riscos. Dizer que diminuiu a morbidade não significa ignorar que há riscos numa prática ilegal", afirmou. Entre os novos riscos, ela aponta as evidências de que o Cytotec esteja sendo comercializado por traficantes de drogas, em muitos casos com a composição adulterada, favorecendo a aproximação dos compradores com o mundo do crime. Além disso, Diniz destacou o uso do medicamento sem orientação médica, que, por ser ingerido em subdoses, exige atendimento médico para completar o abortamento e combater as reações decorrentes do processo inicial, como hemorragias e dores abdominais. Segundo ela, em doses adequadas, o medicamento pode interromper a gestação em 90% dos casos sem necessidade de atendimento médico. Como exemplo, ela citou a experiência de Cuba, onde o misoprostol vem sendo adotado como método abortivo doméstico por indicação do governo. As mulheres que responderam as pesquisas normalmente procuram os hospitais públicos nas primeiras 24 horas depois de usar o medicamento, com dores abdominais e sangramento. Entre 9,3% e 19% delas apresentavam sinais de infecção. Na maioria dos casos, o tempo de gestação era de até 12 semanas e a internação durou em média um dia. Além do Cytotec, os estudos também registraram o uso de chás e ervas em até 15% dos abortos induzidos. Os dados do relatório dizem respeito apenas à realidade de grandes cidades onde foram concentradas as pesquisas e incluem somente informações de mulheres que começaram o processo abortivo em casa e acabaram buscando os hospitais públicos para completá-lo. De acordo com Cristião Rosas, presidente da Comissão Nacional de Violência Sexual e de Interrupção da Gravidez nos Casos Previstos em Lei, da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o misoprostol é contra-indicado para pacientes anêmicas, com problemas hepáticos e cardíacos, que usem anticoagulantes ou que já tenham passado por cesariana. Ele destacou, no entanto, que, usado sob critérios médicos, o remédio é muito eficiente na área obstétrica em casos de indução do trabalho de parto, abortamentos retidos e hemorragias pós-parto, contribuindo para a redução da mortalidade materna.
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