Meu pai contava que tinha um amigo dele que era um caçador que jamais havia matado qualquer caça por causa do medo incontrolável que tinha de onças. Bastava ver um rastro que ele se borrava inteiro na corrida de volta para casa. Numa dessas desabaladas voltas para casa esse amigo do meu pai, caiu numa ribanceira e quebrou a perna. Permaneceu ali imobilizado até chegar o socorro que os amigos providenciaram quando estranharam a sua ausência. Quando voltou para casa descobriu que na sua ausência forçada a onça fez uma limpa no galinheiro, e sua malhada estava subtraída em algumas cabras.

Ele sempre usava a história da onça para incentivar os seus filhos a ousarem, a não terem medo do novo, a não terem medo do inusitado e, principalmente a tomarem cuidados com as coisas com que já haviam se acostumados.

Passados alguns anos, depois de muitos rastros de onças e poucas onças pelos caminhos voltei a encontrar um monte de gente que anda com medo do rastro da onça e, do mesmo jeito que o amigo do meu pai estão de pernas quebradas e morrendo de medo da onça chegar enquanto a onça faz a festa no galinheiro.

Sinceramente não tenho medo da onça que está por ai fazendo das suas, porque esta a gente já conhece de muitos carnavais. Tenho medo é dos rastros que ela vai deixar espalhados pela cidade e que a gente mais cedo ou mais tarde vai ter que resolver.

Como resolver essa migração exagerada que inchou a cidade e baixou a nossa qualidade de vida a níveis miseráveis? Como resolver a favela que invadiu o morro da Sesmarias e está quase se unindo com a outra formada no Perequê-Mirim? Como recuperar a credibilidade de um município em que qualquer investimento tem que pagar pedágio para entrar? Como acreditar numa cidade que até hoje não tem um plano diretor e fica jogando dinheiro público em obras que não sabemos a durabilidade técnica e funcional? Como vender turisticamente uma cidade tão mal cuidada, com um povo tão mal educado, tão sem esperança em que se transformou Ubatuba nos últimos anos? Vamos culpar Brasília, culpar o Bush, culpar o Osama e permitir a onça continuar deixando rastros pela cidade? Vamos adiar por mais quatro anos ou vamos começar a resolver agora?

Até parece que a gente já se acostumou com as ruas desarrumadas, com as pedras soltas, com as guias desalinhadas, com as calçadas estreitas e esburacadas que predominam no centro da nossa cidade.

Até parece que a gente já se acostumou com a falta de educação dos ciclistas. Com a violência e a falta de segurança. Até parece que é normal ter 51 processos judiciais em andamento, e que a gente já se acostumou com cassações, afastamentos, recursos. Até parece que é normal ficar milionário ganhando salário.

Sei não, mas as onças do tempo do meu pai não faziam tanto estrago como fazem as de hoje e nem deixavam rastros tão profundos.