Haja folclore para o tal do urutau. Ave agourenta, de azar, prenúncio de morte, só canta em lugar mal-assombrado. Já começa pela origem do nome que em tupi-guarani quer dizer ave fantasma, ou ainda pelo nome científico Nyctibios de nuktos, noite; mais bios, viver. Ou seja, o que vive na noite. Seja qual for o motivo ou o folclore o fato é que o bichinho acumula mais história que relatos de avistamento. Poucas pessoas tiveram a oportunidade de observá-lo, mas todos têm uma história do tal do urutau. O primeiro relato de um urutau devemos a André Prevet, padre e cronista francês que veio para o Brasil junto com Villegaignon para a criação da França Antártica, 1560. "Entre todas as aves da terra, existe uma que os selvagens não matariam nem mesmo feririam por nada deste mundo [...]. Dizem as pobres criaturas que esse canto lhes faz recordar os entes queridos que se foram. Este pássaro seria um enviado dos mortos, trazendo boa sorte para os amigos que ainda viviam e azar para seus inimigos". Não é de hoje a fama. O urutau sacrificou a beleza em nome da camuflagem e tudo o que se pode considerar feio nele, é para uma perfeita enganação em nome da sobrevivência. O que no urutau é super eficiente e nos obriga a repensar o que realmente seria o belo. Até o seu pequeno bico e sua desproporcional boca colaboram para que não seja importunado durante o dia. Já imaginou como seria difícil esconder um bico de tucano? No entanto, a boca aparentemente pequena, de um dos cinco tipos de urutau, quando aberta é capaz de abocanhar uma mão humana fechada. O urutau não confecciona ninhos como as outras aves, seu único ovo é colocado sobre uma forquilha ou uma cava num tronco e, ali é chocado. O filhote do urutau é, das aves, o que mais demora a atingir a maturidade e a independência dos pais. Os seus olhos que parecem fechados durante o dia, na verdade estão protegidos por uma pálpebra que lhe permite a visão sem abrir os olhos. E seu canto no silêncio da noite, devemos reconhecer que, quando não gela a espinha, é no mínimo inesquecível. "Todo o mundo dormindo. Só o chochôrro mateiro, que sai de debaixo dos silêncios, e um ô-ô-ô de urutau, muito triste e muito alto." (J. Guimarães Rosa: Grande sertão: Veredas) Ia me esquecendo de mais folclore sobre o pobre bicho. No Amazonas é tido que a pele do urutau, seca ao sol e colocada sobre um assento para uma donzela, moça fiel e honesta fará dela. Ou então, marido que, usando uma pena de urutau, varre o chão sob a cama onde dorme a esposa, não será traído. Depenado ou morto o urutau continua o rei da enganação. Melhor do que qualquer folclore é assistir este vídeo, e depois, à moda de Guimarães Rosa concordar comigo, “o bichinho, tal qual crôa em noite de luar, é bonitinho de se admirá”. Nota do Autor: Saiba mais sobre o urutau clicando nos links em “O urutau é o tal (2)”.
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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