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COLUNISTA
Carlos Rizzo
06/05/2007 - 06h39
Ainda o final do verão em Ubatuba
 
 

Do artigo sobre o final do verão, derivou a conversa via e-mail, com Dimitri, que transcrevo abaixo. O diálogo é sempre um exercício produtivo e por isso faço questão de transcrever.


Oi Rizzo,

Li seu artigo sobre a possível influência do aumento da temperatura na migração do beija-flor. A coluna me trouxe a lembrança de uma demorada conversa que tive com uma cliente de vários anos, bióloga pesquisadora de uma Universidade Federal do Paraná. Estávamos falando sobre aves, pois sua curiosidade ficou aguçada com os painéis instalados. Conversa vai, conversa vem, citei uma passagem do livro do Sick que descrevia a pontualidade da migração de uma determinada ave. A precisão de datas de migração era incrível, a mesma ave anilhada migrou por uns sete anos consecutivos na mesma data, com um erro desprezível, muitas vezes coincidindo por anos seguidos o mesmo dia e mês. Só teve um ano que a ave "errou" por digamos 10 dias, o livro justifica o erro pela acentuada diferença de temperatura naquele ano.

Ao término do meu relato, a bióloga sorriu e disse que estava errado. Afirmou enfaticamente que as aves não migram por causa da temperatura, declarou que existem vários estudos sobre o assunto, além do mais como uma ave acertaria a data exata pela temperatura? É altamente improvável uma temperatura igual na mesma data por anos seguidos. O que leva uma ave escolher o dia da partida? Simples, a quantidade de horas de luz de um dia. As aves possuem um calibradíssimo relógio de luz, esse relógio conta o número exato de horas, minuto e segundos entre o amanhecer e alvorecer. Ela citou o nome da substância sensível a luz, não me lembro o nome (talvez melanina?) e afirmou que já desmontaram um monte de aves e o sistema de calendário interno é esse. Faz muito sentido e consegue explicar a precisão. Só não consegui uma boa explicação que resolvesse a questão: Porque teve um ano que a ave "errou"?

O que você acha?

*

Caro amigo

Vou me restringir às minhas observações e sensações. A falta de uma formação acadêmica específica me impede de fazer afirmações categóricas que no futuro serão categoricamente rebatidas na defesa de outras afirmações categóricas. Infelizmente muitas das partes da nossa ciência, e isso não é de hoje, tem o comportamento sectário próximo do eclesiástico.

A temperatura entra no comportamento das migrações, não fosse assim as aves, inclusive os pingüins, não migrariam coincidentemente no mundo todo, de locais mais frios para locais mais quentes. Sempre me lembro que o habitat das aves é determinado pela oferta de alimentos. Havendo alimentos elas permanecem, caso contrário, batem asas. Para as aves isto é fácil!

Não creio que um fato isolado determine as migrações. Deve haver um conjunto de fatores a determinar.

Quantidade de luz é tempo de insolação, que influencia na temperatura, que influencia no amadurecimento das frutas, das eclosões das larvas e no saciar dos animais. Além do mais, ao modo humano, algumas aves são mais criteriosas, outras menos, em seus compromissos. Umas devem acreditar em relógios, outras não.

Estranhamente os beija-flores ficaram mais tempo este ano, coincidentemente este ano foi muito mais quente e o que me parece mais estranho ainda é que um casal do Melanotrochilus fuscus permaneceu lá em casa.

É fácil notar que no auge da temporada do M. fuscus, quando são dezenas de indivíduos, um comportamento aparentemente arredio e por vezes agressivo. O casal que ficou está chamando a atenção pela docilidade do comportamento, chegando ao cúmulo de pousar, e descansar, nos braços das pessoas que estão na varanda.

Outro dia me deu a sensação (humana) de que eles perderam o bonde e estão pedindo socorro! Deu vontade de mandá-los, via Sedex, para o norte. A vontade passou e eles continuam lá, quem sabe esperando uma outra leva retornando de latitudes mais baixas.

O mais interessante é que o M. fuscus é uma espécie migratória da faixa litorânea do NE ao Sul do Brasil e o caiçara de Ubatuba chama esta espécie de "beija-flor-das-almas". Antigamente era certo que eles apareciam próximo do Dia de Finados. Por que estão vindo antes e por que estão indo depois?

Com certeza eles devem ter um relógio interno, do mesmo jeito que nós temos. Com certeza tem a ver com a luz, basta observar como ficam quietos na eminência de uma tempestade ou durante um eclipse. Mas tenho sérias dúvidas quanto a um calendário, mesmo que seja um Stonehage. Antes, a gente imaginava que eles possuíam uma bússola a lhes orientar. Hoje, a gente percebe que eles tem um GPS que lhes dá rumo, altitude, temperatura e tudo mais o que permite que as andorinhas que saem da cidade de Pittsburg - KS, encontrem, a 10 mil quilômetros, a cidade de São José do Rio Preto - SP. Diante dos desafios as andorinhas precisam ser mais "chatas" e os beija-flores mais "relaxados" nos seus compromissos migratórios.

Resumindo, fica parecendo que estamos falando a mesma coisa, mas existe uma grande diferença em nortear opiniões a partir de uma verdade isolada ou, juntar fatos aparentemente disparatados na busca da amplidão e conseqüência do conhecimento. As verdades isoladas e o descompromisso holístico nos colocaram neste beco do aquecimento global que, supomos e nem sabemos ao certo, seja dramático para a humanidade.

Desculpe-me se o entediei com a minha aversão às "verdades". Prefiro "conversar" com as aves.

*

Rizzo,

Acho que você se aproximou mais da charada. Talvez algumas aves realmente sejam preocupadas em cumprir um calendário mais rigoroso que deve ter sido aprimorado/desenvolvido nas últimas centenas/milhares de anos, para isso elas devem possuir um bom relógio interno. Outras devem avaliar um outro conjunto de informações fundamentais sua sobrevivência, para então decidir sobre a migração, abrindo uma enorme gama de possibilidades. Melhor assim, não desagradamos os biólogos. Concordo com você, não deve existir uma verdade absoluta como provam os beija-flores. Interessante, muito interessante.

Abraço


Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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