| CAR | | | | Ilicura militaris. |
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Foi de repente, não mais que de repente. Estava ao telefone e desliguei rapidamente, corri para pegar a câmara fotográfica e quando voltei o bichinho já tinha se embrenhado nas folhas da árvore. Para não perder viagem mirei e comecei a fotografar o que me pareceu um papa-capim. Estava de frente, click. De lado, click, ops. Parece que não é um papa-capim! De costas, click. Não, não é um papa-capim, com esse vermelho nas costas é outra espécie! Um tangarazinho! A única foto que conhecia era um registro feito pelo nosso amigo Luiz Casal. Agora temos mais esta aí, Ilicura militaris. E o primeiro que me chamou a atenção? Procurei no livro e achei. Era um Hemithraupis ruficapilla, saíra-ferrugem. A gravura do livro não esta boa, fui procurar na internet e para a minha surpresa descobri que não existem fotos da bichinha. Tudo isso aconteceu no sábado pela manhã, o resto do meu final de semana foi à caça de uma foto da saíra-ferrugem e não consegui nenhuma outra oportunidade tão boa quanto aquela primeira. Paciência. Faz parte a conquista do mesmo jeito que a não conquista, ou o quase chegar lá! Não cabe qualquer ansiedade quando se observa aves. Já que estava nas lides fotográficas fui atrás de um casal de jacus-pemba, Penelope superciliaris. Faziam uma tremenda bagunça bem próximo da minha casa, subi o morro, bati por algumas trilhas já marcadas por rastros humanos. Naquela hora, nem imaginei nem me preocupei sobre o porque de outras pessoas estarem passando por ali. Não consegui chegar até o ponto onde estavam as aves. Mesmo assim foi um final de semana de conquistas que deixaria qualquer um feliz. Estaria feliz até agora se não fosse pelo final do domingo e os dois tiros de algum caçador atrás do casal de P. Superciliaris. É impressionante o que cresceu a atividade predatória nos últimos anos. Vimos chegar milhões da WWF e não vemos nenhuma solução para resolver a caça em plena Mata Atlântica em pleno século 21. Os caçadores se dizem vítimas do desemprego, quanto custa uma espingarda? Quanto custa um cartucho? Quanto custa um quilo de frango? Que espécie de vítima é esta que tem dinheiro para comprar equipamento e acessórios e diz não ter dinheiro para um quilo de frango? Que espécie de vítima é esta que destrói o nosso futuro, compromete gerações futuras, rouba o futuro dos próprios filhos em nome de um prazer, caçar. Países que regulamentam a caça são muito mais preservasionistas do que os países que proíbem a caça com leis e com polícia. Há mais de vinte anos constatamos que o Estado policialesco não impede a depredação. É uma grande hipocrisia imaginar que o ser humano vai mudar por decreto. Pior. O caçador não abateu o casal. Nos dias seguintes a barulhada alegre transformou-se no lamento do companheiro estranhando ausência do outro. Os tucanos não passaram mais por ali e até o acauã foi cantar mais longe daquele lugar. Até quando poderemos apreciar as belezas das nossas aves? Homo sapiens, uma espécie que jamais entenderei.
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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