Zeloso com suas obrigações e preocupado em não contrair a dengue que se alastrava, Elifas se besuntava de repelente todas as manhãs antes de sair para o trabalho no centro da cidade. Os anos de casamento e a estabilidade financeira que conquistou, trouxeram-lhe alguns muitos quilos a mais. A esposa ajudava nas partes debaixo onde o seu tamanho avantajado não lhe permitia alcançar e, no meio da melação a esposa recomendava: - Paquinho querido, passa nas orelhas! Nunca soubera de onde vinha o modo carinhoso como a esposa lhe chamava, e que alguns amigos também adotaram, Paqui, passou a ser o primeiro apelido agradável de sua vida. Elifas carregava desde a mais tenra infância um enorme complexo por apelidos, tudo por causa do diminuto tamanho do seu pavilhão auditivo. Na época da faculdade diziam que o seu pavilhão era uma simples cabaninha e rendeu-lhe o apelido de “mocó”. Melhor que o apelido da época de segundo grau “foquinha”. “Foca tem orelhas? Nem o Elifas”, completavam em caso de dúvidas. A simples menção sobre suas orelhas, fosse como fosse, não lhe era agradável. Fazia pior, ele próprio não passava suas mãos naquelas orelhas e evitava procurá-las no espelho. Uma vez no oculista, depois de constatada a necessidade do uso de lentes corretivas, o médico observou suas orelhas e asseverou: Recomendo lentes de contato, no caso de ventania, é mais seguro e perdas não lhe causará. Com sua esposa era diferente, havia carinho e seus amigos mostravam respeito chamando-o de Dr. Paqui. Neste surto de dengue, apesar dos cuidados, lhe irritava a atenção da esposa: - Não se esqueça das orelhas. Falava a esposa. Muitas vezes não conseguia evitar o pensamento, ele temia que as recomendações da esposa fosse pura gozação, tal o trauma arraigado pelos apelidos que colecionou pela vida. O que incomodava mesmo, era a quantidade de repelente necessária para lhe besuntar o corpanzil. - Passa nas orelhas! Insistia a esposa. Ele disfarçava a irritação, fazia como se tivesse passado, encerrava logo a besuntação e seguia para o seu trabalho no centro da cidade. Justamente no local de maior infestação. Sua secretária pegou, a recepcionista pegou, o motorista pegou, o mensageiro pegou. Ele não. Garantia-se pelos quilos de repelente que espalhava pelo corpo. - Precisa passar nas orelhas, paquinho querido! - Irritava. Mas a esposa falava com tanto carinho e atenção que era impossível haver segundas intenções naquela doce e, insistente recomendação. Um dia voltou mais cedo do trabalho. Passara mal. Um amigo recomendou repouso e alertou para a possibilidade de ser dengue. Poucas horas depois seu quadro clínico evoluiu de tal maneira que não deixava duvidas, era a dengue. Sua esposa irritada desabafou: - Danadinho esse mosquito da dengue! Besuntado do jeito que você saia só pode ter picado na orelha, você me enganava e não passava repelente nas orelhas. Não é a toa que te chamam de Dr. Paqui, você é mesmo um paquiderme! Grande e com umas orelhinhas que não dá nem para passar repelente e só o mosquito consegue enxergar. Veio a dengue e se foi o seu casamento!
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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