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Historiadora analisou processos e julgamentos da justiça militar contra Lamarca e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Ausência do militar influenciou nas decisões judiciais.
Durante o regime militar, a ausência do capitão Carlos Lamarca nos julgamentos da justiça militar foi contraditória. Julgado e condenado à revelia em vários processos, seu nome era presença constante nos tribunais. "As argumentações de procuradores (promotores) e defensores tanto auxiliaram na defesa de outros militantes quanto influenciaram a justiça em decisões mais severas", conta a historiadora Wilma Antunes Maciel. A pesquisadora estudou, durante quatro anos, nove processos da justiça militar, referentes ao período entre 1969 e 1971, contra Lamarca e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização comandada pelo militar até 1971. Os documentos constam no dossiê Brasil Nunca Mais, pesquisa que foi coordenada por Dom Paulo Evaristo Arns e pelo pastor Jaime Wright. Esses processos da Justiça Militar referem-se ao período em que teve início o Ato Institucional 2 (AI-2). De acordo com a deliberação, civis que cometiam crimes contra a segurança nacional passaram a ser julgados pela justiça militar, podendo ser condenados, inclusive, à morte. "Os militantes presos ficavam incomunicáveis por longos períodos, quando eram torturados. Assim, não existiam judicialmente", conta Wilma. "Somente após fornecerem as informações é que os presos eram encaminhados à justiça militar, que se mostrou mais rigorosa, principalmente com militantes da linha de frente da VPR e com os réus ex-militares. Na maioria das vezes, as informações eram obtidas sob tortura e serviam como base no oferecimento das denúncias contra os próprios réus." Denúncias Nos julgamentos, muitas foram as denúncias de torturas e seqüestros sofridos pelos réus. Foi aí que a figura de Carlos Lamarca exerceu uma dupla influência sobre as sentenças. "Mesmo ausente, o nome do capitão servia tanto aos advogados de defesa quanto aos procuradores da Justiça Militar", relata Wilma. Ela relembra o caso do seqüestro do embaixador da Suíça, em 1970. Wilma conta que a promotoria considerou todos os participantes culpados pelo seqüestro e pela morte de um dos seguranças do embaixador. "Os advogados de defesa responsabilizaram Lamarca como chefe da ação. Inclusive pelo disparo que tirou a vida do segurança", relata a pesquisadora. Alguns militantes chegaram a ser condenados à morte, em primeira instância. Mas a ausência do militar influiu nas decisões em outras instâncias, beneficiando estes réus. Em contrapartida, a justiça militar também foi extremamente dura com militantes da VPR ou militares ligados ao "traidor da pátria", como era chamado Lamarca pelo regime militar. "Houve um caso em que a pessoa foi condenada simplesmente por prestar uma ajuda a Lamarca. Neste caso, a ligação com o capitão, apesar da sua ausência, foi prejudicial ao réu", analisa Wilma. A pesquisadora lembra ainda que nos depoimentos dos militantes presos e interrogados analisados nesses processos não há referências a Carlos Lamarca, tentando responsabilizá-lo. Dos 9 processos analisados em sua dissertação de mestrado, 6 foram relacionados ao capitão. "Em dois, ele foi condenado a 30 e 24 anos, respectivamente. Em outro, Lamarca foi condenado à pena de morte, e num quarto processo, condenado a quatro anos de prisão. Todos, em primeira instância", relembra a pesquisadora. Carlos Lamarca foi assassinado no interior da Bahia, em 17 de setembro de 1971.
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