Logo quando me mudei para Ubatuba e pelo meu envolvimento com a arte, tive a felicidade de conhecer o escultor Bigode. Mostrei o meu trabalho para ele com o intuito de me candidatar a seu aluno e aprimorar a minha técnica. Mestre Bigode não gostou dos meus trabalhos e, num primeiro momento, me deixou melindrado, tive que me recolher na minha insignificância para continuar tendo aulas com ele e isso me ajudou muito. Lembro de uma frase que ele sempre dizia a respeito da criação: "você tem que olhar a madeira e ver o que ela quer ser". Como artista de finais de semana que eu sou, nunca "ouvi" essa frase e sempre buscava dentro de mim mesmo a inspiração para a criação dos meus trabalhos. Alguns anos mais tarde, quando estava lixando uma escultura, percebi que não era a minha técnica de polimento que estava determinando o acabamento. Que não bastava atingir o grano 400 com as lixas que eu usava. Aquela escultura estava pedindo mais atenção, ela estava impondo que eu mostrasse todos os veios da madeira onde ela estava se concretizando. Só ali entendi a frase que o Bigode sempre me repetia e, só ali entendi porque ele não gostou dos meus trabalhos. Hoje, num livro que estou lendo, encontrei a mesma frase do Mestre Bigode, numa resposta de um outro artista popular: "Por que esculpi um elefante? Eu peguei a madeira, escutei a madeira, ouvi o que ela queria dizer e tirei tudo o que não era elefante". O livro a que me referi, chama-se "Arte e identidade cultural na construção de um mundo solidário" de Hamilton Faria e Pedro Garcia. O conteúdo podemos reduzir na frase de Michel Sauquet "todo mundo está de acordo acerca do papel da arte para reencantar o mundo, a questão é ver como o reencantamento intervém concretamente para o desenvolvimento social, para a redução das injustiças e desigualdades e na luta contra a exclusão". Não precisamos ir muito longe para constatar que existe alguma coisa de muito errado nesse nosso mundo e, se a gente ousar a reduzir as causas, veremos que a perda da expressão, a perda da linguagem é uma das causas fundamentais. O jovem que não é educado a se expressar, ou não lhe é dado o direito de se expressar, tende às drogas e à violência. Ao cidadão, dia-a-dia aviltado nos seus direitos, resta o desanimo e a revolta. Veremos que não basta construir escolas se não damos educação (cabe lembrar o étimo, educatio-onis: trazer de dentro); veremos que não basta ampliar a Santa Casa se não damos saúde; veremos que não basta construir presídios se não damos futuro; veremos que um povo sem arte e identidade é um povo niilista, sem rumo e violento. E nesse sentido, um prefeito que destina um vergonhoso ATÉ 3% para a cultura do seu município, deve ser responsabilizado por boa parte de tudo que vemos de errado. Um prefeito que se preocupa com edificar sem construir não serve para um município. Nós do povo, que sabemos muito bem a cidade que queremos para nós, devemos fazer à maneira dos escultores. Olhar para a nossa cidade, ouvir a nossa cidade e, ir tirando com o nosso voto, cada coisa que não é a Ubatuba que desejamos construir.
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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