Da janela do escritório, em minha casa, avisto perfeitamente o alimentador com frutas para os passarinhos. Muitas vezes, entre um trabalho e outro, paro para olhar a bagunça das saíras. O pensamento divaga. A Internet discada que uso tem a velocidade de uma carroça nas autovias da banda larga. O Speedy não alcança a minha casa. Ele é rápido, mas é curto. Tudo é demorado na Internet discada e para não me irritar com a espera, tenho o movimento no comedouro para observar. A câmera que o Henrique Russo me emprestou fica ali armada, na espreita de alguma raridade. Estou aproveitando a velocidade do disparo das analógicas para registrar algumas coisas que faltam no mundo da fotografia de aves: o forte alaranjado das costas da saíra-sete-cores; o branco que lampeja no bater de asas do tié-preto; a crista levantada do bentevi-verdadeiro e as três espécies de sanhaço ao mesmo tempo no comedouro. Já que sou um simples clicador com limitados conhecimentos da arte da luz, resta-me o registro do inusitado, o que demanda paciência e oportunidade. Duas coisas que não me faltam. Claro que o movimento do comedouro me entretém muito mais e, muitas das vezes, enlevado pelas aves, me vejo abandonando a Internet, ou então surpreso, quando vejo que um download já está feito. Fico pensando no Stephen Hawking e na relatividade do tempo. O tic-tac do relógio é a medida oficial. Nosso tempo tem o fator momento, ora são rápidos tic-tics, ora intermináveis tac-tacs. Ainda não precisei com que idade me vejo internamente, só tenho a certeza que não é a que meus 53 anos me dão pelo calendário, ou no espelho. Aliás, o espelho foi mais cruel que o calendário. Às vezes me espanto com os 27 anos do meu filho Tiago. Converso com ele como se tivéssemos a mesma idade, apesar dele me olhar igual ao meu espelho. Pai é pai e, normalmente pai é velho, sectário e prosélito. Filhos, filhos... Observar aves nos dá novos sentimentos e nos despoja, naturalmente, de outros. Observamos aves no tempo delas e não no nosso tempo, são elas que se exibem e não adianta ficar ansioso, não adianta pressa, compromisso ou carregar uma máquina fotográfica o tempo todo. Observamos. Quando somos presenteados com algum avistamento especial, assalta-nos o deleite e nada mais. Pouco importa se satisfaz ou se é fugaz. É difícil de entender como isso funciona, mas não é difícil de conquistar. Parece que a vida moderna nos ensina que tudo é problema. Observar nos ensina que tudo simplesmente existe e que somos nós que damos o sentido de problema ou de solução. Na vida tudo tem a sua função e seu dilema Para quem tudo é problema, nada é solução. Para quem tudo é solução, nada é problema. Basta antes, observar. “...todo es según el color del cristal con que se mira” como diria o velho Calderón.
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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