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COLUNISTA
Carlos Rizzo
19/01/2007 - 14h12
O vento noroeste de Ubatuba
 
 

Vim conhecer o vento noroeste aqui em Ubatuba, nunca tinha visto um vento com tantas características. O primeiro que vi, foi pelo resultado, no dia seguinte. Foi lá na praia da Fazenda e de longe se via claramente o rombo aberto na mata pela “cabeça” do vento. Joaquim Lauro, o professor, e Dito Paru me contaram muitas histórias do vento noroeste. Quando da minha primeira obra, certa vez o professor apareceu para vistoriar o telhado da varanda, depois de pigarrear olhando para o horizonte, concluiu que o telhado estava correto pois estava protegido do noroeste.

A primeira vez que estive no meio de um noroeste, foi aqui nas matas da Capricórnio em 1982 a primeira rajada foi uma surpresa, a segunda provocou tensão e a partir da terceira senti medo, medo como jamais havia sentido medo de um vento. Não havia lugar seguro para me proteger, toda a mata balançava e se quebrava assustando com galhos que caiam por todos os lados.

Não conheço ou não tive a oportunidade de conhecer outro vento com tantas particularidades como o vento noroeste de Ubatuba. As mulheres ficam irritadiças antes dele chegar. Os homens tem avisos nas juntas e nos reumatismos. A cicatriz do meu dedo acidentado numa máquina de marcenaria acusou durante anos a iminência de um vento noroeste. Em 2005 tivemos um vento noroeste que varreu a área de eventos ali no aeroporto. Um amigo piadista ainda encontrou o seu mote e sapecou: Quem semeia eventos colhe tempestades! Digno de um verdadeiro glosador.

Se bem me recordo, antigamente o mês de agosto era o mês dos ventos noroeste, ontem, em pleno janeiro tivemos um autentico noroeste. Aquele de 2005 também foi em janeiro.

Mudou o vento ou mudou o tempo? Pena que Érico Veríssimo não está mais aí para nos responder.

O mais interessante sobre o vento noroeste fui descobrir muitos anos depois. Sempre preferi morar no meio do mato fosse pelo ar puro, pelas temperaturas agradáveis ou pela distância dos vizinhos. Demorei para entender um cheiro de fossa que sentia de vez em quando. Um fortíssimo cheiro de fossa no meio do mato causa estranheza, revolta e não deve ser difícil de localizar, mesmo assim não conseguia encontrar a origem daquele desagradável cheiro que aparecia de vez em quando. Demorei, mas descobri.

O vento noroeste sacoleja, sacode, vira e revira todas as árvores e todos os seus galhos. Em alguns chega a torcer os galhos como se torce um pano de chão que do mesmo modo, espreme o galho fazendo soltar a seiva. Esta seiva liberada e em contato com o ar, apodrece nos dias seguintes. A seiva de todas as árvores torcidas pelo vento noroeste, liberadas todas ao mesmo tempo e apodrecidas pelo contato com o ar produzem aquele cheiro desagradável, assemelhado ao cheiro de uma fossa. Ufa! Nosso ar continua puro!

Tudo isso é a linguagem do vento noroeste em Ubatuba, ele avisa antes de chegar, deixa a sua assinatura no rastro de destruição e muda o ar depois que se vai.

Interessante que o caiçara tem um ditado que diz: “O noroeste não deixa a mãe morrer de sede”. É certo que depois que ele se vai, em dois dias chove. Salva a mãe e lava a mata.


Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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