Quando nasci um anjo torto Desses que vivem na sombra Disse: Vai, Carlos, ser gauche na vida. Se todos tivéssemos ouvido o mesmo anjo, com certeza, viveríamos em um mundo melhor. Fechados cada um no nosso pequeno mundinho, afogados em problemas para fechar as contas do mês, achando que as soluções estão longe do alcance das nossas mãos, nos afundamos no medo, na insegurança e nos acostumamos com a corrupção. Nos acostumamos com Tonico Malvadeza, com Maluf, nos acostumamos com prefeitos bêbados, com vereadores movidos a dinheiro, importando eleitores, inchando a cidade com a miséria e a violência. Nós cidadãos nos escondemos atrás das grades das nossas casas, dependemos de alarmes, criamos feras para nos defender enquanto pelas praças e ruas, pelos poderes constituídos imperam os ladrões, os assassinos, os corruptos, os omissos. Esquecemos de ousar, esquecemos de ser felizes. Não fomos gauche, não ousamos, abrimos mãos da nossa cidadania, fomos engolidos pelo medo. Medo de acusar, de depor, de ser testemunha. De votar contra, de votar a favor. Medo de prefeito em reeleição, de vereador, medo de polícia, medo de traficante. Fomos nós que esvaziamos os poderes que deveriam nos defender. Não somos testemunhas quando a policia precisa, não provocamos o Judiciário no avilte da lei, desprezamos o nosso futuro quando votamos por conveniência ou por conivência, não multiplicamos o nosso voto, embutimos nosso pensamento. Na hora de votar, momento sublime da democracia, sozinhos diante do X ou do confirme, falta-nos ousadia. Na omissão do cidadão permitimos a continuidade do rouba mas faz. Aumenta-se a nulidade, fenece a cidadania. A corrupção é o maior crime que se pode cometer contra o cidadão, ela gera pobreza, gera doenças, gera violência, gera impotência. O velho Carlos não contava que a ausência dos homens fosse maior que o conselho do torto anjo. Xará no nome, solidários nos anseios, dispares na ansiedade. Que tristeza ver o ensejo do velho Carlos esvaziado e inútil diante de tanta futilidade, de tanta banalidade, tanta corrupção. Carlos Drumond de Andrade queria no dia-a-dia mais alegria, mais verdade, mais felicidade. Restou-nos o império da covardia e o féretro da poesia. A solução está ao alcance das nossas mãos. Unidos podemos dar um basta na corrupção, um basta na omissão. Está ao alcance das nossas mãos o futuro que ousamos sonhar no primeiro choro dos nossos filhos ao nascerem. Sonho de um mundo melhor acalentado a cada passo, a cada conquista. Está nas nossas mãos a construção da cidadania, o fortalecimento da democracia. Está nas nossas mãos a construção da feliz cidade. Esta nas nossas mãos o brilho nos olhos dos nossos filhos quando descortinar o futuro que ousamos sonhar.
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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