| Carlos Rizzo | | | | Buteo albicaudatus (gavião-da-calda-branca). |
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Pousou no fio de eletricidade e chamou a atenção da molecada que logo começou a atirar pedras para vê-lo voar. O dono do bar conseguiu salvá-lo com uma vara de bambu e colocou o motivo de tanta algazarra sobre a mesa de bilhar. Um gavião-da-calda-branca, Buteo albicaudatus, ainda jovem. Foi o Laídeo, motorista na Prefeitura quem me avisou e quando cheguei lá no Ipiranguinha (Ubatuba, SP) o gavião estava completamente atordoado com o barulho que a molecada fazia, tanto que foi fácil apanhá-lo e trazê-lo até o Aquário onde foi entregue aos cuidados da veterinária Paula. Ali mesmo prometi que faria um artigo em homenagem ao Sr Antonio dos Santos Penha, dono do bar do Toninho, pelo empenho e às crianças que faziam aquela algazarra toda. Aqueles meninos me ensinaram que bicho é tudo que é estranho e pode ser molestado. Animal é diferente, são todos os domésticos e devem ser tratados e cuidados. Não esperava ver isso de maneira tão cruel, numa gritaria a beira da loucura. “É um bicho! Mexe nele. Cutuca ele. Vamos ver ele ficar bravo! Faz ele voar!” Me senti tão bicho quanto o gavião. Por isso escrevo também para os meninos que estavam hostilizando o gavião. O ambiente do gavião é tudo o que é longe dos homens. Longe dos homens ele não tem limites e não tem barreiras. É quase um rei dos ares. O gavião enxerga a 200 metros um objeto do tamanho de uma caixa de fósforos. Tem um gavião que chega a voar a 280 quilômetros por hora, é quase um carro de fórmula um!! É muito mais do que você enxerga e é muito mais do que a maioria de nós jamais alcançará em velocidade. Aí no bar vocês viram de perto o quanto ele estava perdido, sem saber o que fazer. Parecia meio bobão. É a mesma coisa com vocês! O bairro que vocês moram é o Ipiranguinha, este é o ambiente de vocês. Aí vocês brincam, correm, andam de bicicletas, empinam pipas. O bairro é como a casa de vocês, aí vocês são crianças, meninos, moleques. Vocês estão em casa. É diferente quando vocês vêm para a cidade. Na cidade a gente tem que se vestir de maneira diferente, não tem lugar para correr ou para empinar pipas. Para quem mora nos bairros a cidade é um ambiente diferente. Imaginem quanta coisa vocês teriam que fazer de diferente num ambiente completamente estranho como a cidade de São Paulo. Assim estava o gavião. Vocês gostariam de serem maltratados no centro da cidade? Vocês gostariam de serem tratados igual a um bicho em plena cidade de São Paulo? O gavião também não gostou. Por isso ele ficou quieto. Ficou parado. E deixou ser apanhado com facilidade. Ele estava super envergonhado de estar ali no meio dos homens, completamente fora do ambiente dele, longe dos céus. Do mesmo jeito que a gente fica quando está fora do nosso ambiente. O Toninho do bar percebeu que o gavião não estava bem e tratou de ajudar. Da próxima vez que vocês encontrarem um animal fora do ambiente dele, ajude-o a não passar a vergonha de estar no meio dos homens. Temos muito o que aprender com a natureza.
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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