A primeira fila que temos notícias foi a dos bichos. Todos ordenados para adentrarem na arca do Noé, pelo que me consta, lá se cometeu a primeira injustiça. Tenho certeza que os cupins não foram chamados à salvação, dado que a arca era de madeira, seria temeroso tê-los como companhia por tanto tempo. E mesmo assim os danadinhos sobreviveram! A fila dos telefonemas deve ter sido a primeira fila que me lembro de freqüentar. Nos idos anos cinqüenta, na minha cidade natal, só havia telefone no posto da Companhia Telefônica (com acento). Minha mãe passava lá, deixava com a telefonista o numero desejado e ia para casa. Dia e hora marcados, íamos todos de roupa nova e banho tomado, ouvir com dificuldades e falar aos berros com os parentes que moravam na capital. Ligar para São Paulo era igual a uma cerimônia, era a única fila da cidade e nos resignávamos, pois nossa cidade era muito pequena para ter mais filas. Afinal, fila é sinal de progresso, de cidade grande e é a nossa melhor expressão de brasilidade. Quando Ubatuba era pequena não tinha filas por que não tinha o Bradesco, Ubatuba cresceu e o Bradesco é a melhor fila da cidade. Lá a gente encontra muitos amigos para longas e demoradas conversas. É certo que às vezes os assuntos, depois de horas, ficam escassos e o caixa parece longínquo, mas isto não é culpa do Bradesco. Culpa é nossa que ainda temos pouco convívio social. Pior é o Banco do Brasil quando você consegue passar pelo humor giratório dos guardas os atendentes parecem que estão em greve e o atendimento é tipo operação padrão. A fila dos Correios está muito interessante, hoje eles vendem tantos serviços, que outro dia quando fui postar uma carta, onze horas da manhã, e o atendente ainda nem havia pegado a caixa de selos. "É a primeira postagem do dia", justificou-se diante da minha indignação. Nossa democracia ainda é jovem e inexperiente, mas já é mãe de muitas filas que vemos por aí. Tem umas filas muito sem-vergonha. A da regularização dos títulos de eleitor esse ano estava despudorada e se escancarou no agenciamento e na importação de eleitores. Passando por uma, pude ouvir um fileiro perguntando ao outro: "qual é mesmo o nome dessa cidade?". Imagine a quantidade de eleitor turista que teremos. Tem candidato que quer transformar Ubatuba em um novo pólo de turismo, o turismo eleitoral. Acho que é por isso que muitos candidatos depois de eleitos não fazem nada para nós, é que os eleitores dele são todos de fora. A fila de candidatos regularizando a situação foi hilária, teve candidato que desistiu porque não tinha antecedentes criminais. "Pensei que não precisava roubar antes de se eleger". Um outro reclamou do atendimento quando perguntaram se ele tinha feito alguma faculdade: "Ô moça, sou um pedreiro simples o máximo que eu fiz foi escola primária e mesmo assim com telhado de uma água só". Essas filas sem-vergonhas que vemos por ai, é por culpa da mais velha das filas que a Dona Democracia teve com o Voto Obrigatório. A fila da eleição é a mais sem-vergonha, mas é também, a mais bonita de todas. Os filhos dela são pequenos ainda, tem o cidadão e a mais novinha se chama cidadania, essa é muito esperta, quando crescer vai dar trabalho para muita gente que hoje está se dando bem por aí.
Nota do Editor: Carlos Augusto Rizzo mora em Ubatuba desde 1980, sendo marceneiro e escritor. Como escritor, publicou "Vocabulário Tupi-guarani", "O Falar Caiçara" em parceria com João Barreto e "Checklist to Birdwatching". Montou uma pequena editora que vem publicando suas obras e as de outros autores.
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